O século XXI fez surgir um dos momentos cruciais de ascensão da internet e, consequentemente, da tecnologia. A rede ganhou grandes alcances mundiais, se tornando um meio onde toda e qualquer informação pode ser produzida e propagada. Esse espaço, em tese, tende a proporcionar uma comunicação livre de expressão. Em um meio onde todos podem opinar e transmitir toda e qualquer informação, fez surgir também a descrença na credibilidade de notícia e checagens de fatos. Os últimos sofreram disputas acirradas com o surgimento de aplicativos para smartphones, sendo um dos maiores e mais importantes, o WhatsApp.
A veracidade de fatos no meio online está sendo constantemente questionada pela falta de informações concretas e muitas vezes pelo crescimento da propagação de Fake News, ou para o bom português, notícias falsas (tradução livre).
Notícia com tempo contado
Antes de falar sobre Fake, é importante explicar o que são notícias jornalísticas. Notícia é “um formato de divulgação de um acontecimento por meios jornalísticos” (BENASSI, 2009, p. 1793). Ela ocorre quando algo relevante em escala social ou pública (dentro do critério de noticiabilidade) merece ser publicada nos meios de comunicação. Benassi reitera que a notícia só tem valor jornalístico quando aconteceu no mesmo instante, o chamado ‘factual’, de caráter informativo, diferente de uma reportagem (quando podem ser publicadas em qualquer momento) ou um artigo (opinião pessoal). Por isso, “nem todo texto jornalístico é noticioso, mas toda notícia é potencialmente objeto de apuração jornalística” (BENASSI, 2009, p. 1793).
O surgimento da notícia, da atividade jornalística e dos veículos de comunicação ainda se confunde, apesar de que a notícia surgiu bem antes. Na antiguidade, por exemplo, as autoridades da nobreza eram os responsáveis por repassar as informações sobre o reinado a população. Séculos depois, nas cidades interioranas brasileiras, já existia a transmissão via ‘boca a boca’.
De acordo com a historiadora Alzira Alves de Abreu, a profissionalização da atividade jornalística no Brasil surgiu na década de 1950. Seguindo o modelo norte-americano, o lead foi incorporado nas redações dos jornais como uma técnica de apresentação de notícias. No lead News o repórter deverá responder seis perguntas: quem, que, quando, onde, por que e como. “O lead serviu para afastar do ambiente das redações a verborragia ineficiente” (FERREIRA JUNIOR, 2003, p. 64). Décadas mais tarde, as Fake News surgiram em contradição da padronização de uma notícia no meio online. No entanto, ambas não são novidades.
McGuillen (2017) pesquisou por muitos anos notícias fabricadas na Alemanha do século XIX. Diversos correspondentes estrangeiros fingiam que estavam em outros países para relatar fatos noticiosos, quando na verdade nunca haviam saído do país de origem. Na época, os veículos de comunicação não tinham tantos recursos financeiros como atualmente, inviabilizando, assim, os custos de deslocamento dos profissionais de comunicação.
Fake News: um perigo constante
As Fakes News para Allcott e Gentzkow (2017, p. 4) são “artigos noticiosos que são intencionalmente falsos e aptos a serem verificados como tal, e que podem enganar os leitores”. Após conceituar é preciso levar em conta que as Fakes News têm mais outra vantagem na hora de serem disseminadas: são facilmente reproduzidas quando os leitores confiam em opiniões formadas e moldadas por grupos influentes (BALDACCI, BUENO & GRAS, 2017, p. 1). Mais do que isso, para elas seres propagadas e se tornarem, de fato, uma notícia falsa, é preciso um grande número de pessoas para compartilhar aquele conteúdo. A participação de pessoas contrárias àquelas notícias também é de suma importância para “contestar, sinalizar e desmentir” (BOUNEGRU et al., 2017, p. 18).
Muitas vezes não é necessário clicar no link para receber a desinformação. Manchetes chamativas já se encarregam de propagar notícias falsas e o “Print Screen”, uma função presente nos aparelhos celulares, computadores e tablets, termina por facilitar a transmissão da Fake News.
Após contextualizar notícia e Fake News, é necessário relembrar o fenômeno do surgimento do WhatsApp, como dito no início do texto. Ele foi lançado no ano de 2009 nos Estados Unidos da América por dois norte-americanos, Brian Acton e Jan Koum. Eles trabalharam juntos no site Yahoo, um dos pioneiros da era da Internet na década de 1990. Após adquirirem experiência e sucesso na plataforma, os amigos decidiram criar o que distinguiria os anos 2000 do restante das décadas.
O WhatsApp é, segundo a descrição em sua loja virtual, “uma multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphone”. A ferramenta virou um fenômeno quase instantâneo com mais de 1,5 bilhão de usuários ativos até fevereiro de 2018, de acordo com dados divulgados pelo CEO Mark Zuckerberg, também presidente-executivo e cofundador do Facebook. Zuckerberg comprou o aplicativo por US$ 22 bilhões em 2014. Na época, segundo o site G1, o app possuía 450 milhões de usuários, quase duas vezes mais que o próprio Facebook tinha com a mesma idade (em 2008, a rede social era acessada por 145 milhões de pessoas). De 2009 para cá, o WhatsApp ganhou atualizações referentes ao formato de fotos, vídeos, arquivos e privacidade de grupos. Além disso, também atende à comunicação de empresas e seus clientes com o WhatsApp Business, criado em 2018. Nessa versão, o usuário poderá criar mensagens automáticas, ter acesso a estatísticas e ainda pode solicitar um selo de conta verificada.
Nos últimos dados divulgados pelo Facebook, de Zuckerberg, em 2018, o Brasil era o segundo maior mercado do serviço, perdendo apenas para a Índia. A facilidade em manusear o aplicativo, ou pelo fato de poder ser baixado sem nenhum custo, podem ter sido alguns dos motivos dele fazer tanto sucesso no Brasil e se popularizar rapidamente.
Mas, como todo êxito, surgem também os problemas. O WhatsApp é um dos aplicativos mais utilizados para disseminação de Fake News. É importante ter atenção especial redobrada com o aplicativo, pois ele já é o mais novo modelo de comunicação da sociedade moderna e põe em dúvida a credibilidade de suas fontes. Enquanto nos veículos de comunicação mais tradicionais o repórter checa a notícia uma, duas, três, quantas vezes possíveis, no WhatsApp uma mensagem com poucas frases pode ser propagada por qualquer indivíduo sem nenhum tipo critério. A mentira, ao ser encaminhada aos grupos e contatos, será divulgada como sendo algo real.
Dados confirmam
De acordo com o Relatório de Segurança Digital do dfndr, do laboratório de cibercrime da PSafe, de janeiro a março de 2018, 95,7% das notícias falsas detectadas tiveram como meio de disseminação o WhatsApp. Ainda segundo os dados, as Fake News tiveram um crescimento de 63,8 no 2º semestre do mesmo ano. O tema ‘Política’ é o segundo favorito em notícias falsas, com 38% dos artigos encontrados pelo laboratório, perdendo apenas para ‘Saúde’ (41%). O estudo foi divulgado antes das eleições e dos jogos da Copa do Mundo, dois dos principais eventos que ocorreram naquele ano.
Nos EUA a disseminação das notícias enganosas contribuiu para ascensão do presidente eleito, Donald Trump, em 2016. Em dezembro do mesmo ano, a Agência Central de Inteligência Civil do governo dos EUA, responsável por investigar informações de segurança nacional, revelou que uma entidade russa invadiu os e-mails do Comitê Nacional Democrata. Na época, o comitê apoiava a candidata do mesmo partido, Hilary Clinton. O crime teria como objetivo ajudar Donald Trump nas eleições. A denúncia dava conta que a Rússia também incluiu desinformações e disseminou notícias falsas nas redes sociais.
No Brasil as notícias falsas também beneficiaram a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), nas eleições de 2018. As informações enganosas, em sua maioria, eram contra o seu adversário no segundo turno, Fernando Haddad (PT). Elas se espalharam na reta final das eleições, principalmente, via WhatsApp. Em dos escândalos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) interveio e ordenou a exclusão de vídeos divulgados na internet nos quais Bolsonaro fala sobre a distribuição do livro “Aparelho Sexual e Cia”. O atual presidente afirmava durante entrevistas que o livro “sexualizava crianças”. A obra, de Hélène Bruller e Philippe Chapuis, que chegou a ser distribuído pelo Governo em algumas bibliotecas, mas nunca foi incluída no programa Escola Sem Homofobia (referida pejorativamente pelos opositores de Haddad como Kit Gay) e não chegou às escolas.
Diante desses casos emblemáticos, fica o questionamento: está nas mãos dos seres pensantes saber qual mensagem propagada nas redes sociais é verdadeira ou falsa? O Facebook, com seu CEO Zuckerberg, deverá criar mecanismos para barrar as Fake News?
Pelo visto, a mudança já começou. Pensando em combater a propagação das notícias falsas, em 2018, o Facebook anunciou uma importante atualização relativa ao encaminhamentos de mensagens no WhatsApp. No início, as mensagens podiam ser encaminhadas para, no máximo, 20 usuários ou grupos, já em 2019 o número ficou ainda mais restrito, passando para cinco grupos ou contatos particulares.
É fato que as redes sociais, em especial o WhatsApp, mudaram a forma de ver a informação e de se comunicar. A ligação para os amigos ou para os pais, antes feita exclusivamente por telefone, aos poucos, está dando lugar aos áudios transmitidos pela aplicativo. Os arquivos de documentos, que antes eram enviados quase que exclusivamente via e-mail, estão agora sendo compartilhados e baixados via mensagem de WhatsApp. O ‘print’ se popularizou e está inserido quase que simultaneamente nas trocas de mensagens. A comunicação entre as famílias também chegou a ser afetada pelo aplicativo. É quase impossível você conhecer uma família sem ter o famoso ‘grupo da família’, com suas eternas mensagens de ‘bom dia’, ‘boa tarde’ e boa noite’. Grupos estes que são grandes disseminadores de Fake News.
Seja por ignorância ou um ato consciente, as notícias falsas se tornaram um problema em escala global, mas podem ser facilmente identificadas. Pesquisadores da área orientam como descobrir qual notícia não passa de uma farsa. A primeira dica é sempre desconfiar do que ler e, após o primeiro contato, leia tudo antes de compartilhar qualquer informação. Outra sugestão é prestar atenção em links de sites desconhecidos do público em geral. Muitos deles são sites de notícias fictícias.
O mais importante é se colocar no lugar do outro e ter senso de verdade e mentira. Seguindo os passos, a notícia falsa será mais uma esquecida entre tantas lidas diariamente.
Por: Daniely Cintia Viana de Sousa, jornalista e relações públicas.
Referências
“Criado em 2009, WhatsApp cresceu mais rápido que Facebook em 4 anos”. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/02/criado-em-2009-whatsapp-cresceu-mais-rapido-que-facebook-em-4-anos.html
“WhatsApp supera o Facebook e é o aplicativo mais popular do mundo”. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/01/whatsapp-supera-o-facebook-e-e-o-aplicativo-mais-popular-do-mundo.ghtml
Relatório de Segurança Digital do dfndr lab. Disponível em: https://www.psafe.com/dfndr-lab/pt-br/relatorio-da-seguranca-digital/
BENASSI, Maria Virginia Brevilheri. O gênero “notícia”: uma proposta de análise e intervenção. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1791-1799.
BALDACCI E., BUONO D. & GRAS, F. (2017). Fake News and Information Asymmetries: Data as Public Good. ONDE FOI PUBLICADO?
BOUNEGRU, L., GRAY, J., VENTURINI, T. & MAURI, M. (2017). A Field Guide to Fake news. Public Data Lab. Retrieved from http://fakenews.publicdatalab.org/.
ALLCOTT, H., & GENTZKOW, M. (2017). Social media and fake news in the 2016 election. Journal of Economic Perspectives, vol 31(2), 211-236.
MCGUILLEN, P. (2017). How the techniques of 19th-century fake news tell us why we fall for it today. 11/04/2017. Nieman Lab. Retrieved from http://www.niemanlab.org/2017/04/how-the-techniques-of-19th-century-fake-news-tell-us-why-we-fall-for-it-today/z.
FERREIRA JUNIOR, José. Capas de Jornal: a primeira imagem e o espaço gráfico visual, São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003
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