
Vitória, se buscado o significado desta palavra em qualquer dicionário constatará que sua definição está cercada no eixo de “atos ou efeitos de vencer um inimigo ou uma batalha”, “sair triunfante em meio aos obstáculos”. Neste sentido, em meio ao sertão piauiense, encontra-se uma comunidade com este mesmo nome e um grupo de jovens com as mesmas definições.
Localizada na zona rural do município de Pedro II e a 210 quilômetros de Teresina, capital do Piauí, a comunidade Vitória, ao longo dos seus 77 anos de fundação, possui 81 famílias, totalizando 216 habitantes em sua região. Dentre estes moradores há uma juventude organizada através de um grupo chamado “Jovens Guerreiros de Cristo” (JGC) que desde 2017 realizam ações e atividades dentro e fora do povoado em prol de melhorias estruturais e culturais para seus residentes.
Por meio de uma intervenção proposta pelo programa de extensão da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Humanismo Caboclo, na Escola Família Agrícola Santa Ângela (EFASA), o JGC foi idealizado por Elaine Andrade e José Rogenilson, como projeto de conclusão da oficina de Comunicação Popular, disposta aos jovens do primeiro ano do ensino médio. Neste ambiente de formação, no dia 20 de maio de 2017 realizaram a primeira reunião do grupo e, consequentemente, a sua fundação.
Elaine, atual presidente do JGC, conta que moradores da região e a juventude de Vitória já pensavam em constituir uma organização, mas não sabiam por onde começar. Dessa forma, a oficina de Comunicação Popular foi uma das principais ferramentas de assistência a eles. “Desde 2015 vínhamos falando em criar um grupo de jovens, só que nunca tínhamos realmente posto em prática. Quando em 2017, dois anos depois, com a oficina de Comunicação Popular, foi proposto a ideia de um projeto para realizarmos em nossa comunidade. Na mesma hora, eu e Rogenilson nos entreolhamos e dissemos que seria um grupo de jovens, mesmo não sabendo por onde começar”, disse a estudante.

Além disso, ressalta também que sentiram medo da ideia ser recusada, pois já tinham passado dois anos desde a primeira conversa. “Tenho que admitir que senti medo da ideia ser recusada, pois já tinha passado muito tempo. Mas continuamos com a nossa proposta e marcamos a reunião que fundou o JGC”, disse Elaine.
Cerca de 30 jovens iniciaram as atividades desenvolvidas pelo JGC, mas, com o passar do tempo, a saída de alguns foi acontecendo por terem que se mudar para outros locais – seja por falta de oportunidade de emprego no local, seja por terem que ajudar suas famílias no trabalho no campo. Como é o caso de Mateus Paiva, primo e braço direito de Elaine, teve que deixar a comunidade por ter que ajudar seus pais financeiramente. “Primeiramente, não queria ir embora, pois Vitória é minha casa, família e amigos, minha vida toda está aqui, mas, infelizmente, pela falta de oportunidades, tenho que deixar meu povo e ajudar meus pais financeiramente”, conta Mateus.
Atualmente com 16 jovens, o JGC desenvolve intervenções que possam ajudar a região de alguma forma, onde suas participações nos eventos da comunidade ressignifiquem a importância da atuação da juventude na sociedade. Com isso, entre suas primeiras realizações, organizou a volta das festas juninas e retomou a quadrilha, chamada de Luar do Sertão. Outras atividades foram desenvolvidas: bingos, leilões para arrecadação de dinheiro para o grupo, gincanas, peças teatrais nos festejos (onde são responsáveis por uma noite), reuniões com o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais e o primeiro encontro das famílias que teve participações de grupos de jovens de outras comunidades.
A religião, traço forte e vigente dentro da comunidade Vitória, é uma das motivações dos integrantes do JGC, onde o nome do grupo orienta o caminho das lutas em busca de melhorias até por preocupações com a evolução no âmbito espiritual. De acordo com Nayara Pereira, “os jovens de Vitória são guerreiros pelos diversos obstáculos vividos desde o surgimento das práticas desenvolvidas por nós, pois muitas vezes os moradores não acreditavam na gente e que todas as nossas contribuições e formações são buscadas através da fé, fortalecendo o vínculo religioso, pois sem Deus, não somos nada, por isso Jovens Guerreiros de Cristo”, afirma.

Ademais, Nayara conta que as faltas que o povoado possui, como de escolas, oportunidades de empregos, locais de lazer, prejudicam a vivência no campo, pois geram perdas de pessoas que poderiam ajudar na progressão de Vitória que estão partindo. “É ruim ver pessoas que estudaram e cresceram comigo tendo que partir, é triste, pois deveríamos procurar mais formas de cobrar os órgãos públicos e lutar mais para o crescimento de Vitória, mas a falta de suporte daqui é enorme e é revoltante”.
Na comunidade, os integrantes do JGC contam com a ex-presidente da Associação de moradores, Ana Amélia Pereira, como principal aliada e amiga das causas levantadas por eles, pois foi quem transmitiu confiança e apoio para o JGC desde seu surgimento. “Se formos analisar toda a caminhada destes meninos até aqui, podemos ver que é uma preparação deles para o futuro, pois serão os próximos pais, professores, catequistas, coordenadores, ou seja, serão o futuro da comunidade. Eles estão se tornando capazes de enfrentar as dificuldades da zona rural que é esquecida. Então temos de apoiá-los e estender o braço quando precisam de alguém, pois se nós não discutirmos os anseios, os obstáculos, tudo que somos e para lutar pelos nossos objetivos, quem vai?”, indagou.
Além de Ana Amélia, os pais dos jovens são apoiadores das manifestações dos filhos e acreditam que eles têm o poder de transformar suas realidades. “Acho importante ter meu filho incluso no grupo, pois é uma forma de se integrar na comunidade e que aprenda e tenha experiência de vida, pois todos que fazem parte do JGC ainda têm muito o que aprender e que os desafios que estão erguendo a cabeça para enfrentarem são muitos e fazer parte disso é assumir responsabilidades e isto dignifica o ser humano”, disse Antonia Paiva, mãe de Rogenilson.
Após a conclusão da oficina de Comunicação Popular e os inúmeros feitos pelos integrantes do JGC, o grupo, em parceria com o Humanismo Caboclo através do projeto “O Campo é nosso presente”, em 2018, produziu o documentário “Vitória: juventude de fé e luta”, onde assumiram responsabilidades no processo de produção e de protagonismo de sua própria história.

Por fim, ao ser indagada pela sua vida no campo e como é ser uma jovem de Vitória, Elaine frisa que é difícil, pois Vitória é distante de outras comunidades, distante da cidade, esquecida pelo poder público, mas que não é por isso que a juventude deixa de exercer seu papel. “Às vezes nas reuniões dizemos que estamos fazendo poucas atividades, mas ao pensarmos melhor, vemos que resistimos a tantas coisas e percebemos que o que fazemos presta um significado importante e nos leva a outro patamar, a ter uma outra visão. As pessoas já estão nos olhando diferente. Então ser um jovem da Vitória, que é um lugar isolado, esquecido pelas autoridades, é assumir o nosso dever de sermos e somos jovens transformadores, no qual só de estar aqui já é uma luta. Imagine termos de ter que sair daqui para tentar estudar em outro lugar e ver a realidade que não é fácil. É a gente ser jovem sonhador, lutador e carregar no coração a diferença e mostrar que podemos realmente conseguir as coisas e que podemos mudar a nossa realidade”, conclui Elaine Andrade.
Por Maria Clara Morais
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