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Foto do escritorHumanismo Caboclo

Sexualidade, juventudes e educação: identidades e diversidades juvenis


Foto: Freepik

O presente ensaio objetiva refletir sobre as problematizações envoltas da temática da sexualidade. Ao longo do texto as reflexões sobre sexualidade são acompanhadas de teorizações sobre juventudes e educação. Antes de iniciar as formulações teóricas sobre a sexualidade e juventudes se faz necessário caracterizar o que se entende por juventude. Para Juarez Dayrell (2003), definir juventude não é tarefa tão simples, pois existem diversas imagens formuladas sobre ela. O cotidiano cria e recria diversas imagens que interfere nas formas de enxergar as/os jovens e a juventude.


Nessa criação e recriação de imagens da juventude, ainda segundo Dayrell, existem formulações que acabam atribuindo um sentido negativo e por muitas vezes estigmático para a juventude. O primeiro deles é a suposta “condição de transitoriedade, na qual a/o jovem é um vir a ser” (2003, p. 40). Ou seja, a juventude é caracterizada apenas como uma passagem. Tal condição acaba negando as vivências formuladas pelo jovem, o seu presente, suas representações em nome de um “vir a ser”. Dessa forma se posterga a própria existência da/do jovem enquanto jovem (DAYRELL, 2003, p. 41).


Outro sentido pejorativo atribuído à juventude a caracteriza como um possível tempo de liberdade, quando se vive um período hedonista e de comportamentos “exóticos”. Para Dayrell, a juventude é considerada como uma espécie de ensaio quando se é permitido o erro, até mesmo a irresponsabilidade muitas vezes. Ligado a essa condição existe também a que considera a juventude como um momento de crise, de grandes conflitos (DAYRELL, 2003, p. 41).


É necessário pensar a juventude como uma condição social e ao mesmo tempo como uma representação permeada por muitas transformações, repleto de vivências. Vale ressaltar também que a juventude é diversa e essas diversidades concretizam nas condições sociais, culturais, de gênero e sexualidade, entre outros fatores. É importante caracterizar que existem diversas formas de ser jovem e, portanto existem diversas juventudes. Entende-se a juventude dessa forma como um elemento de um processo mais amplo de constituição dos próprios sujeitos. Tal processo é dotado de especificidades e particularidades que marcam a identidade juvenil (DAYRELL, 2003, p. 43).


A partir das considerações sobre a juventude e das diversas particularidades que permeiam essa condição, tratar-se-á sobre sexualidade e suas possíveis relações com a temática de gênero. A sexualidade se caracteriza como uma categoria que está sempre em meio a grandes conflitos. Assim como o gênero, a sexualidade é pensada e teorizada ao longo da história e faz parte das vivências humanas.


Para Miriam Abramovay, Mary Garcia Castro e Lorena Bernadete da Silva (2004), a sexualidade caracteriza uma dimensão do ser humano que envolve múltiplas questões e são elas: gênero, identidade sexual, orientação sexual, erotismo, envolvimento emocional, amor e reprodução (2004, p. 31). E tal dimensão é experimentada ou expressa ao longo de toda a vida. Vale ressaltar que a sexualidade assim como o gênero é socialmente construída. Para Michel Bozon (2004, p.14), a sexualidade humana não é um dado da natureza, ela se constitui na estrutura social por meio do contexto cultural que ela está inserida.


A adolescência e a juventude tem ocupado um lugar de relativa significação no contexto das grandes inquietações que envoltam a comunidade mundial. A educação tem sido um desses lugares que tem na juventude e na sexualidade pontos de inquietação e de reflexão. Por mais que, no universo escolar, a sexualidade seja uma dimensão polêmica, dada “a multiplicidade de visões, crenças e valores dos diversos atores (alunos, pais, professores e diretores, entre outros), assim como os tabus e interditos, que social e historicamente cercam temas que lhe são relacionados” (ABRAMOVAY, CASTRO, SILVA 2004, p. 31).


As imposições da sexualidade são designadas desde a primeira infância. Ao nascer a criança já está inserida em uma complexa rede de desejos e expectativas para o seu futuro. Tais desejos e expectativas são geralmente projetados em torno do fato ser “menina" ou ser "menino", em torno do corpo situado com um pênis ou vagina. Segundo Berenice Bento (2010, p. 2), “essas expectativas são estruturadas numa complexa rede de pressuposições sobre comportamentos, gostos e subjetividades que acabam por antecipar o efeito que se supunha causa".


A presença e permanência de problematizações e reflexões sobre a sexualidade, sobre as possibilidades e os controles, vivem nas escolas um dilema. Por um lado, muitas são as pessoas que ainda veem com maus olhos discussões sobre tal tema. Grupos organizados investem na defesa da não circulação de temáticas relativas a essas questões, como é o caso da “Escola sem partido” [i]. Por outro lado, de certa maneira, a sociedade brasileira reconhece o lugar de importância dessas problematização no interior da escola e muitos grupos com ativistas, professores e estudantes reafirmam a necessidade dessas problematizações.


As escolas assim como os parentes formulam um olhar atento para a questão da sexualidade. Para Maria Rita César (2010), o lugar estabelecido da sexualidade no ambiente escolar é garantido em torno da ideia de prevenção. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais reforçam essa ideia de prevenção e ao mesmo tempo provoca uma incitação ao discurso sobre o sexo na escola.


Os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) demonstram a existência de uma abordagem preventiva em torno da temática. Após o surgimento do HIV/AIDS, como também o reconhecimento que as jovens estão engravidando cada vez mais cedo, muitas ainda em idade escolar, faz com que a escola reconheça a importância da temática da sexualidade, mas sempre nesse nível da prevenção. Tal ferramenta, contudo, não é apenas utilizada com o objetivo de prevenir. Para Foucault (1984), trata-se se instrumentos criados para regulamentar e controlar a sexualidade das crianças.


A temática da sexualidade nas escolas brasileiras se firma em torno do discurso de prevenção (CÉSAR, 2010). Mas, as problematizações em torno da temática da sexualidade não se findam somente na prevenção. A escola deve se estruturar para que possa ser capaz de levar para o ambiente escolar todos os outros constituintes envoltos dessa questão. Para Foucault (1984), a sexualidade trata-se de uma criação institucional que tem como função primordial o controle dos indivíduos e das populações.


O autor busca a reflexão sobre a sexualidade a partir da ideia de controle. Assim todos os elementos que estão engendrados no dispositivo da sexualidade, seja ele o próprio sexo, as práticas sexuais, as identidades, conhecimentos, são automaticamente controlados por uma rede estabelecida de saber e de poder. Essas estruturas passam todas pelo instrumento de controle sobre os corpos (BOZON, 2004, p. 29).


Sendo, pois, a sexualidade um instrumento de controle, ela é responsável por estabelecer uma espécie de fronteira, dividindo assim as práticas sexuais "bem-educadas" e as demais que fogem a heteronorma. Todas as práticas que fogem ao ideal heterossexual, monogâmico, com uma relação matrimonial e de reprodução, passam a sofrer perseguição por parte dos dispositivos de controle (CÉSAR, 2010, p. 69). As sexualidades não normativas passam assim a ocupar um lugar à margem da esfera social, por conta do heteroterrorismo[ii].


Para Bento (2010), tal controle tem o objetivo de barrar o surgimento desses corpos desviantes. Desde a infância, um conjunto de argumentos é colocado e imposto na vida social. Tal estrutura de controle é feita de proibições e afirmações e tem como objetivo conduzir a criança para a vida referenciada na heterossexualidade. Para que tal estrutura se firme é necessário que todos os papéis sociais sejam bem definidos e, nesse sentido, que a heteronorma aja para prevenir gêneros e sexualidades dissidentes.


A estrutura social age na vida das pessoas para a condução de gêneros e sexualidades que se firmem de acordo com a norma. O “heteroterrorismo” (BENTO, 2010) age nesse sentido com o objetivo de barrar as atitudes que não são classificadas como inteligíveis. A repetição dos discursos tais como: “isso é coisa de menino” ou “ isso é coisa de bicha", por mais que não sejam entendidos em sua completude por uma criança, deixa uma inscrição social que vai ser ressignificada por ela, que passará a entender que tais atitudes são erradas. Esse entendimento permeará a própria identidade do sujeito, sendo, pois, a sexualidade um fator importante dessa construção (BOZON, 2004, p. 43).


Assim, é necessário reconhecer a dimensão da sexualidade como uma construção social. Ela se constrói de formas mais diversas, logo, o respeito a essa diversidade é um ponto primordial. Para isso é necessário questionar aquilo que se tem naturalizado, ou seja, as ideias e concepções que têm se generalizado, para que se possa pensar a sexualidade não mais como algo dado e imutável, mas como uma dimensão complexa dotada de muitas diferenciações.


Para Bento, a estrutura heteronormativa faz parte de uma engenharia social que produz corpos sexuados que tenham nessa estrutura sua única possibilidade de viver a sexualidade. Assim, não se pode continuar atribuindo tal fato à natureza, pois isso é "resultado de tecnologias gerenciadas e produzidas pelas instituições que realizam, materializam um projeto social de fabricação dos gêneros normais" (BENTO, 2010, p. 5).


As tecnologias sociais dessa forma produzem as sexualidades, sejam elas inteligíveis ou desviantes. Bento alerta para o fato de que a sociedade, por meio das suas instituições, formula tecnologias capazes de controlar e determinar as sexualidades. A norma nega a possibilidade de reconhecer a presença da margem. Dessa forma elimina esses corpos situados nesse lugar através de insultos, leis, castigos. Tal estrutura pode ser observada em um fato que está bem presente na sociedade que é o assassinato recorrente da comunidade LGBT[iii].


Mesmo as tecnologias sociais que fazem as sexualidades sendo controladas por uma estrutura de poder heterossexual, os corpos situados distantes dessa estrutura existem e falam das margens, negando-se a um processo de assimilação e domesticação das identidades. Eles se opõem fortemente contra a estrutura regulatória binária, por entender que todo poder da força regulatória da lei ou norma de gênero pode potencialmente ser questionado.


Dessa forma é que a escola está mais uma vez com um grande desafio nas mãos: o de inserir nas suas práticas educacionais as problematizações sobre a questão da sexualidade, levando em consideração os mecanismos de exclusão, a produção de uma norma sexual firmada na ideia da sociedade heterossexual em sua completude, e também os mecanismos de resistência contra a norma. Levando em consideração a especificidade e as particularidades dessa questão destinada a adolescentes e jovens presentes na escola.


Para César (2010), as discussões em torno dessas temáticas no ambiente escolar ainda se fazem bem delicadas, pois a estrutura da escola no Brasil ainda é permeada pelo ideal normalizador heterossexual. Dessa forma, a própria escola nega a existência de alunos que não estão inseridos na heteronorma, assim alunos e alunas homossexuais bissexuais, assexuais, intersexuais etc. são silenciados. Isso acontece muitas vezes, pois, tanto "a infância como a juventude são aclamadas como fases transitórias em relação à sexualidade" (CÉSAR, 2010, p.71). Sendo assim, mesmo esses alunos que não se encaixam na heteronorma podem ser redirecionados para uma estrutura de vida heterossexual.


Nesse sentido, vale ressaltar que a inserção da temática da sexualidade na escola trata-se, além de uma decisão teórico-epistemológica, de uma decisão política que se faz cada vez mais necessária. E essa decisão é necessária quando se leva em conta que foi o próprio dispositivo da sexualidade que firmou o que pode ser denominado de regime da heterossexualidade compulsória. Relatos mostram como a escola ainda é ineficiente em combater os preconceitos herdados desse regime que vê na heterossexualidade a única possibilidade de viver a sexualidade[iv].


A partir do momento que a escola começa a enxergar os alunos que fogem à norma heterossexual, abre-se uma brecha para que, em extensão, toda a sociedade possa entender as particularidades e a diversidade presente em tal questão. Para que isso possa fazer parte da estrutura da própria escola se faz necessário uma educação atenta.


A atenção da educação sobre os sujeitos, sobre a construção da identidade das alunas/dos alunos, sobre os corpos é fundamental para que se possa entender a sexualidade de forma mais ampla, para além do binarismo e também da estrutura heterossexual. Para Guacira Lopes Louro (1999), a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política. Sendo, a sexualidade construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos. Assim, não se é possível pensar a sexualidade de forma tão fechada em uma única estrutura. Sendo, pois, a sociedade diversa em suas construções sociais.


A educação, que muitas vezes se posiciona como um controlador da sexualidade, e, como afirma Louro (1997, p. 80), tal vigilância e censura se orienta fundamentalmente para o exclusivo alcance da "normalidade", ou seja, a heterossexualidade. Deve reverter o seu foco e trabalhar a questão da sexualidade com o intuito de entendê-la de forma mais aberta e assim possibilitar um maior entendimento sobre os próprios sujeitos inseridos na escola. Ainda segundo Louro, a sexualidade deve estar presente "nas escolas porque ela faz dos próprios sujeitos, ela não é algo que possa ser desligado ou algo do qual alguém possa despir" (1997, p. 81).


O que se propõe é uma educação plural, que não tenha na constituição dos seus sistemas escolares a sobreposição da heterossexualidade em detrimento de outras expressões da sexualidade e que a diversidade possa ser compreendida e respeitada. Louro (1997) alerta para o fato de que, se a heterossexualidade fosse efetivamente natural, não haveria necessidade de tanto empenho para garanti-la. Para a autora, ao se admitir que "todas as formas de sexualidade são construídas, que todas são legítimas, mas também frágeis, talvez se possa compreender melhor o fato de que diferentes sujeitos, homens e mulheres, vivam de vários modos seus prazeres e desejos" (1997, p. 81-82).


É preciso pensar formas de romper com as estruturas de desigualdades que valorizam determinadas expressões da sexualidade e outras não. E a necessidade da escola ser um instrumento que pense e respeite essas sexualidades está exatamente no fato dela ser uma das responsáveis pela construção desses sujeitos. Como alerta Louro, é mais fácil um jovem se aceitar enquanto heterossexual por estar inserido na norma, mas para jovens não heterossexuais há uma grande barreira a ser superada: será preciso que ele/ela "consiga desvincular gay e lésbica dos significados a que aprendeu a associá-los, ou seja, será preciso deixar de percebê-los como desvios, patologias, formas não naturais e ilegais de sexualidade" (1997, p. 83).


As vivências dos jovens sobre as questões da sexualidade na escola devem ser compreendidas e respeitadas, com intuito de ajudar na construção desse sujeito e romper com uma estrutura histórica de repressão e desigualdades. Para Louro (2008), as possibilidades de viver as sexualidades se ampliaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e também desestabilizador. Mas não há como escapar a esse desafio.



Por Carlos Daniel da Silva Santos, licenciado em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e aluno especial do mestrado em Sociologia da UFPI e Luciano de Melo Sousa, professor de Sociologia da (Uespi) e coordenador do Humanismo Caboclo.

 

Referências bibliográficas:

ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; SILVA, Lorena Bernadete da. Juventude e sexualidade. Brasília: UNESCO Brasil, 2004.

BENTO, Berenice. As tecnologias que fazem gênero. VIII Congresso Ibero-Americano de Ciência, Tecnologia e Gênero. 2010.

BOZON, Michel. Sociologia da Sexualidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

CÉSAR, Maria Rita de Assis. Sexualidade e gênero: ensaios educacionais contemporâneos. Instrumento: R. Est. Pesq. Educ. Juiz de Fora, v. 12, n. 2, jul./dez. 2010.

DAYREL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro. n. 24 (p. 40-52). Set /Out /Nov /Dez 2003.

FOUCAULT. Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista - Petrópolis, RJ : Vozes, 1997.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008

 

[i] O programa Escola Sem Partido é uma proposta de lei que torna obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio um conjunto de imposições aos professores.

www.programaescolasempartido.org


[ii] Discurso marcadamente opressor que prepara os corpos para a vida referenciada na heterossexualidade, construída a partir da ideologia da complementaridade dos sexos (BENTO, 2010, p. 4).


[iii] Dados preliminares do relatório de assassinatos entre a população LGBT no Brasil, feito anualmente pelo Grupo Gay da Bahia, mostram que 340 pessoas foram mortas por "LGBTfobia" em 2016. São 11 mortes a mais do que no ano anterior. Um assassinato a cada 28 horas. A maior parte das mortes ocorreu em via pública por tiros, facada, asfixia, espancamento e outras causas violentas. "A maioria dos casos sempre é com essas pessoas amarradas e espancadas. Se for fazer uma análise dos 340 casos é sempre com requintes de perversidade". Como é caso de Itaberlly Lozano, de 17 anos, morto em dezembro de 2017, o corpo foi encontrado carbonizado, em janeiro, em canavial de Cravinhos, no interior de São Paulo. O jovem foi morto pela própria mãe, com a ajuda do padrasto, por ser gay.


[iv] Orgulho & preconceito: relatos de homofobia na escola de Carla Castelloti apresenta um conjunto de vivências que envolvem xingamentos, violência física e psicológica que mostram como a diversidade ainda parece ser um problema nas escolas. (www.vice.com)

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