
Com o tema “A leitura engrandece a Alma”, a Solenidade Oficial de Abertura da 17° edição do Salão do Livro do Piauí (SALIPI) e do 22° Seminário Língua Viva aconteceu no dia 31 de maio, às 19h, no Cine Teatro da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Kássio Gomes, professor de Literatura e História da Arte, atual presidente da Fundação Quixote e um dos idealizadores do SALIPI, participou da cerimônia de abertura juntamente com o prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes, reitor da UFPI, ao lado ainda de convidados com espaço de honra, que se dividiam entre professores, parceiros e idealizadores do evento.
Kássio iniciou sua fala agradecendo a José Arimatéia Dantas Lopes pela parceria bem sucedida do SALIPI com a UFPI. Também observou o esforço e comprometimento dos demais idealizadores e parceiros do evento literário, que fazem com que a cultura se mantenha viva no estado através do Salão do Livro. Além disso, ressaltou a importância da homenageada da edição deste ano, a professora, historiadora, poeta e artista plástica, Cecília Mendes. Também pontuou a necessidade de reconhecimento do vigor intelectual e nome forte de múltiplos atributos de Cecília, que acrescenta importante ampliação e significado para o evento.
Em entrevista ao Humanismo Caboclo, o presidente da Fundação Quixote falou sobre a representatividade pessoal e relevância geral que o evento possui: “Para mim, enquanto profissional, enquanto professor e, principalmente, enquanto amante da literatura dos livros, isso possui uma representatividade muito grande. Eu acho que uma sociedade se transforma quando há esse investimento maciço na literatura, nos livros, porque eles transformam a vida das pessoas. Viver esse momento é algo que nos enobrece”.
Ainda durante a palestra, José Arimatéia Dantas Lopes deu as boas vindas ao público e convidados e comentou sobre o momento difícil em que vive a educação no país, observando a maneira como o apoio da UFPI ao Salão do Livro resiste em meio aos percalços. O reitor da instituição disse considerar a Universidade Federal o local mais apropriado para a realização do evento em termos de logística, segurança e por possuir o maior público de frequentadores do SALIPI. Este conta com os inúmeros professores e alunos da instituição, além do público em geral, o que José Arimatéia considera uma grande oportunidade de abrir as portas da universidade para a comunidade, cumprindo um papel social imprescindível.
O reitor da Universidade Federal do Piauí, que também deu declarações ao Humanismo, falou de sua satisfação pessoal sobre a instituição sediar e apoiar o evento: “O Salipi é o maior evento literário e cultural do Piauí e um dos maiores do Nordeste. Então, para nós da reitoria, é um prazer muito grande estar recebendo e sediando a realização de mais uma edição, que já é a 6ª realizada na UFPI. Hoje, já somos realizadores juntamente com a Fundação Quixote, e é uma parceria que beneficia a comunidade, os idealizadores e principalmente o Piauí”, concluiu José Arimatéia Dantas Lopes. Cecília Mendes, a homenageada da edição, também fez uso da palavra durante a palestra. Emocionada, disse que a homenagem era um presente que jamais imaginou merecer, e deixou claro que o reconhecimento a encheu de alegria. Cecília disse partilhar de sua homenagem com todos os colegas professores, momento em que exaltou a profissão, e negou suas demais habilidades a fim de reconhecer a força de quem leciona. A professora contou ainda um pouco de sua trajetória e as dificuldades vividas. Em seguida, agradeceu a homenagem e desejou votos de sucesso ao Salão do Livro do Piauí.
Para encerrar a solenidade, o público conferiu a apresentação da banda Som do Piauí. O projeto composto por 8 vozes de artistas que cantam músicas de piauienses que foram imortalizadas por grandes artistas nacionais.
O Salipi durou até o dia 9 de junho e durante toda a semana, a equipe do Humanismo Caboclo participou das principais palestras e espaços do evento para reportar os assuntos abordados no Salão.
Feira do livro e Salipinho
O evento, durante todos os seus dias de realização, contou com diversos espaços e atividades, dentre eles a tradicional, feira do livro e a novidade desta edição: o Salipinho, espaço voltado ao público infanto-juvenil. Este ano, a feira contou com 80 estandes entre institucionais, livreiros e lojas do ramo da economia criativa de diversas regiões do país. Como no caso do vendedor Alan Nascimento, natural de Fortaleza-CE, que em seu segundo ano de vendas na feira, comentou sobre a importância de se desenvolver e fazer parte de um evento como o Salipi. “Eu acredito que o Salipi fortalece muito a cena literária da cidade. É um evento que as pessoas aguardam o ano todo e por acontecer dentro da universidade acaba fortalecendo ainda mais este local, que atualmente está sofrendo ataques. Eventos como esses são relevantes, pois se propõem para além da venda de livros, trazer discussões importantes para a cidade e para a atual conjuntura do país”.
Com o tema “A leitura engrandece a Alma”, a expectativa de público do SALIPI, segundo Kássio Gomes, foi de aproximadamente 200 mil pessoas. “Aumentamos esse nicho para projetos de artesanato em parceria com o Sebrae, além de parcerias com o Governo do Estado e com a Prefeitura de Teresina. Então temos um Salão do Livro e um público consolidado que em meio à crise consegue resistir e se transformar numa grande referência em nível nacional”, completou.

O Salipinho, iniciativa idealizada para agregar o público infanto-juvenil, tem como objetivo formar novos leitores e apreciadores da literatura. Kássio Gomes explicou a necessidade de atingir e entreter esse público em específico através da leitura. “É preciso criar uma geração de leitores, e essa geração precisava de um espaço. O Salão do Livro toma essa iniciativa para que as crianças tomem assento definitivamente no evento. Não estamos apenas captando o leitor atual, mas sim interessados em construir uma nova geração. Geração que possua pensamento crítico, mais acesso a informação e mais possibilidades", finalizou o professor. O Salipinho aconteceu das 8h às 17h, durante toda a semana do evento no Cine Teatro da UFPI.
À vista disso, a pedagoga Maria Santos, mãe da Sofia de Jesus, expressou os motivos de levar sua filha às edições do Salipi. “Temos que incentivar os nossos filhos no mundo da leitura, principalmente neste mundo só de celular e internet. Então temos que também influenciar nossos filhos a buscar conhecimento através dos livros. Aproveitei e fiquei sabendo do Salipinho, assistimos uma contação de histórias e amamos este novo espaço”, finalizou Maria. Com isso, Sofia após sua experiência nas atividades do Salipinho ressaltou a sua opinião acerca da sua vivência. “Estou gostando e concordo que temos que incentivar as pessoas a lerem, pois é algo bem legal. Minha última leitura foi ‘O Pequeno Príncipe’ e foi quando realmente me animei para a leitura e gostei. Então sempre que puder, vou pedir a minha mãe para me trazer pra cá”, contou.

O Salipi também contou em sua programação com palestras e bate-papos com importantes nomes do cenário nacional e regional do país, como: jornalistas Francisco José e Xico Sá; o escritor e Digital Influencer, Fred Elboni; o cordelista Bráulio Bessa; o escritor Alexandre Nolleto; as feministas Djamila Ribeiro e Joice Berth, entre outros autores. Com um público diversificado, dividido entre crianças, adolescentes, adultos e idosos, o evento dispôs de tradutores de libras em todas as palestras. Ademais, dos seus 270 voluntários presentes na organização do evento, 80 são surdos. O Cine Teatro também foi devidamente adaptado para receber deficientes físicos. O Salipi segue se consolidando e tornando-se referência em nível nacional.
Chico com X
Francisco Reginaldo de Sá Menezes, vulgo Xico Sá, 57 anos, jornalista, escritor, aquela figura que dispensa formalidades. Não por acaso seja um dos rostos conhecidos do programa “Amor e Sexo”, da TV Globo. Seus rastros, contudo, não se esgotam no espaço da TV aberta nas noites de quinta. Sua trajetória é mais ampla: suas abordagens diversas a ponto de falar sobre literatura, sertão, Piauí, cortes na educação e orgasmo. Dotado de contundência, fez jus à velha máxima: “o jornalista é um especialista em generalidades”.
Com a palestra “Crônicas de amor e resistência”, no Cine Teatro da UFPI, cravou, sob mediação do professor Wellington Soares, sua primeira participação na 22ª edição do Seminário Língua Viva que acontece paralelo ao SALIPI. Espaço que ao longo dos anos tem ampliado sua importância em virtude dos temas tratados e pela proximidade que promove entre autores, leitores e obras literárias.
A história de Xico Sá tem um pé no sertão, para não dizer o corpo todo. É filho de Crato, Ceará. No chão quente de Recife deu seus primeiros passos como jornalista no Tabloide Esportivo; foi também repórter investigativo. Trabalhou como colunista para a Folha de São Paulo, entrou numa “Saia Justa” (GNT) e, atualmente morando no Rio de Janeiro, serve para os leitores do El País um Brasil que ferve, adicionando pitadas ácidas de ironia. Na dúvida leia “O método Mobral do bolsonarismo”.
Cabe lembrar que boa parte da infância de Xico foi vivida na cidade de Cariri, no Ceará, plano de fundo do livro “Big Jato”, publicado pela Companhia das Letras, em 2002. “O pai se vê perdendo influência na educação sentimental do filho, perdendo o jogo para o tio. ‘Formo esse menino no trabalho, na força bíblica do suor e vem esse tio vagabundo, ordinário, militante da poesia e da loucura, dos Beatles. Preso, acusado de ser o maior maconheiro da cidade... Como é que vou perder o meu filho pra esse lado?’. É sobre a poesia como uma metáfora, representando certa desordem no mundo. O ser humano é, em muitos momentos, ingovernável”, descreve em referência à narrativa.
A ideia de ser escritor era um sonho antigo, abdicado ao “se deparar com a realidade pós chegada em Recife”. Em seu lugar algo que fosse mais rentável, jornalismo. Acabou trocando seis por meia dúzia e em muitos momentos da palestra tratou disso com bom humor. Anos depois, em sua biografia, ambas as atividades se entrelaçam.

No campo da literatura Xico Sá acumula 12 livros publicados, entre eles, Sertão Japão, Modos de macho & Modinhas de Fêmea e Nova Geografia da Fome. É uma das cabeças do projeto “Você é o que você lê”, na companhia de Gregorio Duvivier e Maria Ribeiro. “A gente tenta desmistificar essa cultura do livro como uma coisa distante da gente, literatura como uma coisa chata. Fomos formados com a ideia da ficha de leitura obrigatória, era aquele José de Alencar empurrado na hora errada, fazendo com que muita gente desistisse de ler”, argumenta Xico Sá, que critica a concepção de leitura como imposição e não uma atividade prazerosa.
No que diz respeito a sua atividade jornalística destacou a reportagem “Travesti vira líder político no sertão”, que traz a história de Kátia Tapeti, primeira transexual eleita para um cargo político no Brasil. “Fiquei umas duas noites em Oeiras (PI). Cheguei em Colônia do Piauí e fiz uma matéria que julgo uma das mais fortes. Testemunhei uma história incrível. Em pleno sertão nordestino com uma trans, não só eleita e com importância na cidade. Ela era carregada nas costas por aqueles homens da roça”, enfatiza o jornalista que diz ter tido preconceitos desmontados diante da cena descrita.
A crise na educação foi um dos assuntos mencionados. Fez duras críticas ao governo Jair Bolsonaro em virtude dos cortes orçamentários que afetaram a educação pública, em especial o ensino superior, mas lembrou que a falta de um projeto de educação de verdade é antiga.
Sobre o papel do jornalismo no pleito que culminou com a vitória de Bolsonaro, salientou que “o erro de boa parte da imprensa foi normalizar demais o absurdo, o monstro, sob a crença de que o bicho amansaria depois”. Para Xico Sá, Bolsonaro governa para um nicho.
Quando o indagamos sobre o papel ocupado pela literatura na resistência contra retrocessos, ele responde: “nunca publicamos tanto. O índice de leitura não é o ideal, mas cresce por conta de encontros como esse. Vivemos um momento em que temos muitos clubes de leitura em que se reúnem dezenas de pessoas para ler o mesmo livro. Sarais literários... Isso é de uma força. A arte do encontro para defender a literatura, a universidade, a escola pública, é fundamental. Temos que mantê-la viva”.
Relatos de um veterano
Dentre as personalidades participantes da 22ª edição do Seminário Língua Viva, que integra o Salão do Livro do Piauí, esteve o jornalista Francisco José, 75 anos, conhecido pelo trabalho desenvolvido à frente do Globo Repórter. O autor do livro “40 anos no ar: a jornada de um repórter pelos cinco continentes”, partilhou com uma plateia diversa as experiências e desafios de sua trajetória profissional.
O jornalista nasceu em 1944, na cidade de Crato-CE. Sua carreira teve início em Recife, trabalhando com jornal impresso. Sua ida para a Globo se deu após a Copa de 1970, com o convite para ser apresentador do programa Globo Esporte. Pouco tempo depois passou a ser repórter de rede, com a incumbência de narrar os fatos ocorridos na região Nordeste do Brasil.
“Durante oito anos só havia eu como repórter de rede no nordeste. Foi assim que descobri a Niède Guidon, a Serra da Capivara. A seca nessa época era fortíssima, o índice de mortalidade infantil no Nordeste era recorde mundial, mas mostramos também nossa cultura. Criei a rivalidade entre o São João de Caruaru e o São João de Campina Grande, o carnaval de Olinda e Recife”.
Francisco José diz ter vencido padrões impostos sobre seu sotaque, o que teria abrido portas na emissora para a adoção de uma linguagem mais plural, flexível, em harmonia com a diversidade de sotaques existente no Brasil. São 43 anos de trabalho prestados para a Rede Globo, 101 edições do Globo Repórter, 11 delas no Piauí, e inúmeras reportagens para os telejornais.
“O amor que ele tem pela profissão é incrível. Ele mostra pra gente o outro lado da reportagem, o lado em que você ignora o medo, os perigos por amor ao jornalismo. O que fica dessa noite é a perseverança dentro da nossa profissão. Termos a coragem de vencermos todos os nossos medos por amor não só à profissão, mas à sociedade", pontua Bianca Furtado, estudante de jornalismo, sobre a experiência de ouvir os relatos de Francisco José.
“Quando entrei na Globo era película em preto e branco. A Copa de 1970 foi praticamente a primeira grande transmissão a cores. A câmera era pesada demais, precisava de duas pessoas. Hoje elas são pequenas e tudo é praticamente feito ao vivo. Não se faz mais Globo Repórter sem um drone, que mostra a imagem de cima. Antes, para fazê-las era preciso um helicóptero. Houveram mudanças na parte técnica. Já o texto precisa ser cada vez mais objetivo, em virtude da concorrência das redes sociais”, destaca Fracisco José, enumerando as mudanças ocorridas na produção de reportagens jornalísticas voltadas para televisão aos longo dos anos.
Fred Elboni: relacionamentos, escrita e outros assuntos
Na terça-feira (04), o bate-papo literário ficou por conta de Frederico Elboni, que além de escritor e youtuber, também é roteirista e palestrante. Conhecido por ser o idealizador do blog “Entenda os Homens” e roteirista do programa Amor & Sexo, da Rede Globo, Fred Elboni atraiu uma multidão para o anfiteatro da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em sua primeira visita à Teresina.
Marcada para às 19h, o bate-papo teve início cerca de meia hora depois do esperado, até que todos estivessem acomodados. Na plateia, o público de diversas faixas etárias recebeu o escritor com uma calorosa salva de palmas.
Autor de seis livros, Frederico Elboni iniciou a conversa falando sobre o seu processo de autodescoberta de escrita e sobre a importância da arte. “Cada parte da arte supre uma necessidade minha. Por exemplo, o livro supre minha solidão, de querer ficar só escrevendo. Quando quero comentar algo, tenho o youtuber. Já o teatro me permite olhar no olho, sentir o público. Então são várias as possiblidades, e assim me sinto completo como um todo”, contou.
Quando aberta a oportunidade para perguntas da plateia, o primeiro questionamento foi sobre relacionamento abusivo. “Como saber se estou em um relacionamento assim e como me livrar?”, questionou uma das espectadoras.
“É comum demorarmos a perceber quando estamos em um, mas sempre há sinais. A primeira pergunta a se fazer é: eu posso ser eu mesmo com meu parceiro? A partir disto você começa a ver se está se privando ou não de viver e fazer coisas que gosta. Não é fácil, mas precisamos aprender a dizer adeus, a ir embora e sem culpa”, respondeu.
Dentre outras perguntas do público, Frederico conversou um pouco sobre ansiedade. “No início era algo muito na minha cabeça, sabe? meus pensamentos inquietos. Fui no médico, tomei remédio para ansiedade. Era tipo estresse infinito, não conseguia filtrar nada. Às vezes acordava sem ar. Então decidi me tratar. Com a idade, veio a calmaria. E o tratamento que fiz antes, me ajudou no hoje”, lembrou o escritor.
Ao fim, antes de receber o público para o momento de fotos e autógrafos, Frederico Elboni deixou um incentivo para a plateia. “A gente precisa se aceitar. Estudar, pesquisar, refletir. Procure estar perto de pessoas que você se espelhe e lembre-se que todo o processo de amadurecimento é muito solitário. Então aprenda a lidar com a solidão também”.
Poesia que Transforma, por Braúlio Bessa
Na quarta-feira (05) fez parte da programação do SALIPI a palestra do poeta cearense Bráulio Bessa. O convidado esperado da noite surgiu entre as cortinas para a alegria do grande público que o aguardava dentro (e fora, assistindo através de um telão) do Cine Teatro da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Além de poeta, Bráulio Bessa é cordelista, declamador e palestrante. Ficou nacionalmente conhecido por resgatar a literatura de cordel através de vídeos na internet. Com um carisma inegável, aliado a marcas registradas pessoais como o forte sotaque e o inseparável chapéu, Bráulio possui um público de admiradores das mais variadas idades. O sucesso das declamações do cearense foi tão significativo que, atualmente, Bráulio possui um quadro semanal no programa “Encontro com Fátima Bernardes”, exibido de segunda a sexta-feira pela manhã, através da Rede Globo.
Com a declamação do poema de sua autoria “Quanto mais sou nordestino, mais tenho orgulho de ser”, Bráulio Bessa iniciou sua palestra. O poeta fala de sua história e em como se tornou palestrante. Vindo de cidade pequena e possuindo origem humilde, ele esclarece o quanto esse momento atual de sua vida lhe foi inesperado e despretensioso. Bráulio fala da cidade de onde veio, cidade de Alto Santo, no interior do Ceará, e de todas as dificuldades enfrentadas em sua trajetória. O poeta aposta em forte valorização da cultura nordestina em suas apresentações - um dos pontos mais significativos de seu trabalho.
Os livros lançados e seu trabalho na tevê mostram um profundo sentimento e respeito por suas raízes. O cearense falou da responsabilidade de palestrar pelo Brasil afora com o propósito de tentar impactar e transformar a vida das pessoas num país que considera o hábito da leitura e valorização da poesia e do poeta escassos. Numa palestra repleta de elementos nordestinos como a poesia de cordel e ditos populares aliados à motivação, Bráulio usa ainda um tom humorístico para descrever as situações difíceis e inusitadas que enfrentou durante a vida, numa tentativa de deixar o clima mais leve diante do público.

Uma figura pública de prestígio não só no âmbito literário, mas também no meio artístico, Bráulio Bessa tem sido um dos grandes responsáveis pelo “resgate” do gosto dos leitores brasileiros pela literatura de cordel. Em entrevista para o Humanismo Caboclo, Bráulio diz que atribui esse sucesso ao próprio povo e às oportunidades que teve: “Tem muita gente boa que escreve, que ‘peleja’, que luta, da mesma maneira que eu lutava, mas que não tem espaço. E continuam não tendo. Aconteceu algo grandioso comigo, mas poderia ter acontecido com qualquer outro poeta que pudesse ter tido a oportunidade de estar na maior emissora de tevê do país, fazendo um trabalho de qualidade e falando ali a língua do povo. Esse outro poeta também traria a poesia para perto das pessoas. Agradeço a Deus por ter tido essa chance e por ter tido coragem de enfrentar o desafio. Não é fácil. É uma responsabilidade muito grande, mas o povo é quem está de parabéns. O povo é quem dá uma resposta para a mídia entender que existe um público sedento de cultura popular brasileira. Eu entrego um pedacinho meu para o povo, e tenho muita esperança que tanta gente que não tem essa chance possa vir a ter a oportunidade de entregar seu pedacinho também”, pontuou Bráulio.
Questionado sobre quem era de fato a figura Bráulio Bessa, no que as pessoas tanto leem, prestigiam, identificam-se e preenchem espaços como o Cine Teatro da UFPI para ouvi-lo, em resposta risonha, despretensiosa e quase declamada, o poeta concluiu: “Braúlio Bessa é o filho de Ana Lídia e seu Evaristo, neto de seu Dedé sapateiro, menino ‘ruim’ (expressão nordestina para criança levada) ali do Alto Santo que sempre foi muito atrevido. Sempre acreditei que era possível levar a minha arte, levar a minha poesia para as pessoas. Tentei de tudo no mundo, e as pessoas hoje agradecem por eu não ter desistido da poesia, e acabou dando certo. Aliás, talvez tenha dado certo, porque tudo deu errado. Pelejei de tudo que foi jeito, mas nunca parei de escrever. Então, o Bráulio é um sonhador. Sem esse clichêzinho que existe em cima do sonho, mas eu sou movido pelo sonho e continuo sonhando”.
Após a palestra, Bráulio recebeu no camarim fãs e admiradores de seu trabalho para fotos e autógrafos. Em uma fila imensa, aguardava um público que variava entre crianças, adolescentes, adultos e idosos.
Alexandre Nolleto fala “como ser a melhor versão de si mesmo”
“Você precisa ser a melhor versão de si mesmo” foi o tema da sexta-feira (07/05), palestrado pelo escritor, empresário, fisioterapeuta, influenciador digital, Alexandre Nolleto. O mais novo escritor piauiense se tornou conhecido em 2017 pelas frases postadas diariamente na sua conta do Instagram onde suas postagens começaram a ser frequentes depois de um episódio marcante: o fim de seu casamento após 23 anos.
O escritor chegou a publicar oito frases por dia, falando de seus sentimentos de fé, amor, superação, até que a seguinte frase “Sofre porque cria expectativa demais” tomou grande impulso mostrando o restante do seu trabalho. O fisioterapeuta, que sempre usou as mãos para ajudar as pessoas nos processos de recuperação de movimentos, passou a usar o poder transformador das palavras na conta da rede social e em palestras para transformar a vida de pessoas.

No Salipi, o escritor fez o lançamento do seu primeiro livro “Você está na lista vip de Deus”, publicado pela editora Planeta. No livro estão presentes frases inéditas de incentivo, poemas de amor, aceitação e perdão. O título da obra surgiu após a postagem da seguinte frase: “menina, apaixonar-se por si mesma é a melhor cirurgia plástica para um coração cheio de cicatriz”. Onde, através desta frase, uma leitora disse que a mensagem a fez mudar de opinião quanto ao suicídio. Sendo assim, Alexandre a parabenizou pela atitude de escolha pela vida e respondeu de forma espontânea “Você está na lista vip de Deus”.
Como ser a melhor versão de si mesmo? Segundo o autor, as redes sociais ditam uma sociedade perfeita que busca uma felicidade inexistente e cada vez mais submete as pessoas aos padrões de felicidade, onde na verdade não passa de um fingimento, “uma mentira mal contada”. O autor define o que seria uma mentira mal contada: “uma pessoa que vive uma mentira mal contada copia padrões, nota o outro, não se reconhece, cria expectativa demais, se compara, crítica, reclama, não agradece. Vive uma vida vazia, sem sentido, esquecendo-se de si própria”.
Já a melhor versão de si é “quando você mesmo cria padrões, se nota, reconhece suas imperfeições e vulnerabilidades, assume elas, não julga, não reclama e agradece, vive a sua verdade e tem sua plenitude”. Ele acrescentou: “para viver a sua verdade é preciso ter coragem”.
Alexandre ainda dá uma receita para aqueles que desejam fugir do padrão e viver sua verdade: “ter um propósito de vida bem definido, valores, fortalecimento da fé, aceitação, gratidão até mesmo pelo sofrimento e ame a rejeição”.
Empoderamento e feminismo negro
Testemunhas vivas da história, ativistas e pesquisadores têm tornado público o debate sobre os anos de ocultação da história de luta e resistência do povo negro no Brasil. A postura provoca a ampliação dos debates e tem conquistado, através das novas mídias, muitos membros do movimento negro e do movimento feminista negro para a necessidade latente de dizer o que dificilmente é encontrado por meio da história oficial. Essa perspectiva foi lembrada nessa edição do Salipi. A tarefa ficou por conta das escritoras Joice Berth e Djamila Ribeiro durante a última noite do Seminário Língua Viva.
Para começar, Joice declarou: “empoderamento ainda é um conceito extremamente distorcido”. A frase trouxe reflexões acerca da origem conceitual de empoderamento e esclareceu ao público a compreensão trabalhada por Joice no livro O que é empoderamento?, lançado em 2018. Ela que é arquiteta e urbanista, formada pela Universidade Nove de Julho e pós-graduada em Direito Urbanístico pela PUC-MG, aborda em sua pesquisa um recorte de gênero e raça. “Não é algo novo. É preciso lembrar que Paulo Freire já trabalhava isso na década de 1970, falando sobre subverter o poder que faz com que nós sejamos a base da pirâmide”.

A destinação do povo negro aos locais de subalternidade, opressão e silenciamento, são apresentados no conceito de empoderamento abordado no livro de Joice. Para ela, trata-se de um processo coletivo e horizontal, onde “tratamos justamente no ponto de que ninguém está acima de ninguém; dizemos que não se empoderam pessoas, mas as pessoas vão empoderando a si mesmas em um sentido coletivo, vencendo barreiras que só terão efeito no sistema se o meu grupo estiver empoderado”. Durante a apresentação ela elencou autoestima, intelecto, política e a questão econômica como elementos para o empoderamento do povo negro. Ela ainda destacou: “empoderamento é um conceito, não um elogio”.
Para situar o público sobre sua leitura teórica e de vivência no enfrentamento ao racismo, Joice relembrou o assassinato da então vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSol –RJ), Marielle Franco, crime que ainda encontra-se sem respostas. Ainda citou os índices de feminicídio que atingem de maneira mais direta as mulheres negras, as diferenças salariais e que “empoderamento pode parecer utopia, mas enxergo como instrumento de luta social que vamos trabalhar muito para conseguir”.
O livro O que é empoderamento? faz parte da coleção Feminismos Plurais, organizada por Djamila Ribeiro. Pesquisadora e mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Djamila é reconhecida pelo uso da internet para divulgação do feminismo negro. Autora dos livros O que é lugar de fala? (2017) e Quem tem medo do feminismo negro? (2018), a filósofa trouxe para o Salipi 2019 a importância de tornar públicos os saberes e produções intelectuais das mulheres negras que foram sendo silenciadas ao longo da história.
“Já foi apontado em pesquisa que 90% dos livros vendidos nos últimos 10 anos são da autoria de homens brancos. Achar que a gente não pensa, que não produz, faz parte desse racismo estrutural. Quando pensei na coleção foi também para enfrentar o que chamamos de epistemicídio, ou seja, um assassinato sistemático das nossas produções. Esse termo foi bastante trabalhado por Boaventura de Sousa Santos e pela Sueli Carneiro em sua tese de doutorado”, explicou Djamila.
Além do silenciamento das mulheres negras e do povo negro, o processo também atinge indígenas de maneira, segundo Djamila Ribeiro, a homogeneizar esses povos, fazendo com que a população brasileira tenha conhecimento histórico com visão a partir do que descreveram e registraram os europeus e, assim, “não conheça os intelectuais, as etnias indígenas, os povos de terreiro, e toda a diversidade existente”.

A autora reconhece que “lugar de fala” é um conceito complexo e muitas vezes usado de maneira equivocada. “Todo mundo está situado em um lugar, tem seu lugar de fala, suas experiências, sua história. E isso não é individual, e sim estrutural. Nós, negros, estamos em um lugar de vulnerabilidade. Para enfrentar isso precisamos pensar o Brasil a partir dos sujeitos que pensam e elaboram o mundo. Não fazer isso é muito limitado, muito pequeno”.
Mesmo com assuntos tão sérios, as autoras mostraram-se descontraídas, arrancaram algumas risadas e aplausos calorosos do público que lotou o auditório e as cadeiras colocadas no lado de fora para que uma parte pudesse acompanhá-las por telões. Não faltaram elogios à cajuína, ao artesanato e ao acolhimento da capital piauiense. Torquato Neto foi apontado por Joice como “o melhor dos tropicalistas”. Esperança Garcia e sua história também foram louvadas, com destaque para o trabalho de pesquisa sobre a primeira advogada mulher do Piauí coordenado pela professora Maria Sueli Rodrigues.
Ao responder a uma pergunta do público, baseada no título de seu livro, Djamila disse que “muitos têm medo do feminismo negro e falar disso não é fácil, pois parecemos chatas, agressivas. O lado bom é que muitas feministas botaram a cara pra bater e ver o livro novamente na lista dos mais vendidos, vendo pessoas brancas lendo, homens lendo é positivo. Nós precisamos provocar os homens de que eles não podem violentar, que não podem produzir violência, que as pessoas brancas devem se responsabilizar pela luta antirracista. Se cobrem, se olhem, percam o medo. Porque é melhor ser chato do que ser omisso”.
Por fim, com o término da palestra, a 17ª edição do Salão do Livro do Piauí e o 22ª Seminário Língua Viva tiveram seu encerramento com os shows gratuitos do Melhor de Três Junino, composto por João Cláudio Moreno, Soraya Castelo Branco e Flávio Moura, e do cantor Geraldo Azevedo, no Espaço Rosa dos Ventos na UFPI.
Repórteres:
Cobertura geral, Feira e Salipinho: Maria Clara Morais;
Palestra de Xico Sá; Franscisco José: Joaquim Cantanhêde;
Palestra de Fred Elboni: Geici Mello;
Palestra de Bráulio Bessa: Aline Sousa;
Palestra de Alexandre Nolleto: Joelma Abreu;
Palestra de Djamila Ribeiro e Joice Berth: Ohana Luize.
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