O potencial de comunicação da juventude é muito grande, pois carrega consigo força de vontade, vitalidade, curiosidade e espírito questionador, além de facilidade de aprendizado e apropriação das técnicas utilizadas nos meios de comunicação, se colocarmos especificamente este contexto. Para isso acontecer, é preciso contar com a “participação da comunidade e dos segmentos diretamente afetados por essas políticas” (UNFPA, 2010, p. 121), ou seja, não somente a população jovem, mas todos aqueles que se sintam excluídos, sejam eles negros, pobres, mulheres, idosos, etc.
Com os jovens, os movimentos populares apresentam novos significados. Por um lado com “a emergência da chamada ‘participação solidária’, e a ênfase no trabalho voluntário e na ‘responsabilidade social’, tanto de indivíduos como de empresas” (DAGNINO, 2004, p. 151). Por outro, para a comunicação popular, fica o papel de se firmar perante os segmentos populares e perante a juventude como “uma alternativa para informar as comunidades sobre a questão da cidadania” (REIMBERG, 2009, p. 03).
Entendendo a comunicação popular como vinda do povo e feita para o povo, as práticas comunicacionais populares têm o papel de tornar conhecidos os direitos e deveres dos cidadãos e dos jovens. A partir do momento de reconhecimento dos seus valores, a mudança será quase inevitável.
Este artigo é fruto da produção de pesquisa no âmbito do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) das autoras Daniely Viana e Ohana Luize, realizado entre os anos de 2014 e 2016, no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Na oportunidade, ambas eram extensionista do programa Humanismo Caboclo, coordenado pelo Professor Doutor Luciano Melo, do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Piauí (Uespi). Abordou-se no trabalho as atividades desenvolvidas em participação nas atividades de extensão com os jovens que idealizaram os programas de rádio Sintonia Jovem (Rádio Família de Piripiri, frequência 104,9 FM) e Rede Jovem (Rádio Matões de Pedro II, frequência 104,9 FM) e com os jovens participantes da Associação Ambientalista Morro da Coã (AAMC), da cidade de Lagoa de São Francisco (PI).
No ano de 2013, um grupo formado por 10 jovens (entre 17 e 22 anos de idade), da cidade de Piripiri (PI), oriundos do curso de Formação de Educadores Populares, recebeu destaque pelo desejo de debater as problemáticas existentes nas suas comunidades. Os sujeitos participantes da organização do programa Sintonia Jovem sentiram a necessidade de inserir os princípios da comunicação popular através de um programa de rádio. Dessa forma, e com orientação do coordenador do Humanismo Caboclo, criaram o projeto do programa Sintonia Jovem, que foi aceito pela Rádio Família – FM 104,9, da cidade de Piripiri. O primeiro programa foi ao ar no dia 31 de agosto de 2013. A princípio, o programa tinha como objetivo promover a educação popular em busca da cidadania, uma vez que os jovens não se sentiam representados pelos grandes meios de comunicação.
Durante as tardes de sábado, de 17h a 18h, o programa debatia os problemas da comunidade de forma crítica, levando, sempre que possível, um convidado especialista e abrindo espaço para o público, que fortemente relatava suas opiniões. A luta por seus direitos era o objetivo principal. No entanto, após dois anos no ar, o programa enfrentou seu maior obstáculo: dificuldades financeiras.
Como não obtinha recursos vindos de grandes patrocinadores, o Sintonia Jovem contava apenas com apoio popular, como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), associações de bairro, iniciativas comunitárias, como festas e bingos, e contribuições de amigos e comerciantes. Além disso, os jovens tinham despesas com deslocamento até o estúdio. O empecilho impossibilitou a continuação na Rádio Família FM, que cobrava um custo de manutenção por disponibilizar um espaço no programa. O horário da programação, que no início era de uma hora, fora reduzido a 30 minutos, de 17h a 17h30. O espaço foi cancelado, desde o mês de fevereiro de 2015, pois os membros não tinham mais como manter o programa.
Em 15 de junho de 2014, nasceu no município de Pedro II, o programa Rede Jovem composto por jovens alunos e ex-alunos da Escola Família Agrícola Santa Ângela, que contava com os mesmos ideais do projeto vindo da cidade vizinha (Piripiri). O programa foi aceito pela Rádio Comunitária (legalizada) Matões de Pedro II (FM 104,9).
De acordo com a proposta levada até a Rádio Matões, constam alguns dos objetivos do programa: dialogar com a juventude, desafios, possibilidades, problemas, divulgar projetos voltados para jovens (seja de setores públicos como de instituições privadas), relatar experiências exitosas de projetos com jovens (formação, protagonismo, artes, esportes etc.), discutir com os jovens a realidade das comunidades e incentivar a luta popular, dentre outros.
O Rede Jovem durou pouco mais de um ano. O programa foi cancelado por desvinculação de alguns de seus membros, logo após a formação em cursos técnicos na Escola Família Agrícola Santa Ângela, em Pedro II. A maioria foi morar em outros municípios. No entanto, os membros oriundos do Rede Jovem formaram um grupo na cidade de Lagoa de São Francisco, inicialmente denominado Juventude Ativa. Em outubro de 2014, o grupo passou a se intitular Associação Ambientalista Morro da Coã (AAMC), tendo como foco a preservação ambiental e reconhecimento do caráter comunitário. A decisão pela mudança do nome foi feita pela necessidade do grupo de estar mais próximo da pauta ambiental e do local que atuam na questão da preservação, o Morro da Coã.
Localizada no município de Lagoa de São Francisco, na região norte do Piauí, a AAMC é um grupo formado a partir de experiências comunitárias e também de um curso de Educação Popular voltado para alunos da Escola Família Agrícola Santa Ângela, em parceria com a Rede de Educação Cidadã (RECID) e Fundação Santa Ângela, todas localizadas no município de Pedro II (PI), a 206 quilômetros de Teresina.
A AAMC foi fundada em 18 de outubro de 2014 por jovens residentes de Lagoa de São Francisco. Inicialmente formada por 25 membros, com idade entre 16 e 24 anos, que reivindicavam ideais ambientalistas e as ações comunitárias. Paralelamente a isso, a AAMC procurou usar os meios de comunicação, como o impresso (Jornal da Lagoa), online (Facebook: facebook.com/associacaoAAMC e blog: http://associacaoaamc.blog.com) e radiofônico (buscando espaço na rádio Cidade Livre FM) para transmitir seus trabalhos à comunidade local.
O grupo ainda promove e participa de eventos voltados para o meio ambiente, intervenções na reserva ambiental que nomeia a Associação, local que os membros reivindicam que seja transformado em parque ambiental, pois nele se encontram pinturas rupestres não catalogadas.
As relações construídas por esses grupos com as comunidades, com os meios de comunicação local, com as causas sociais e mais especificamente com as causas ambientais e de cidadania, que eles apontam como bandeiras centrais de suas reivindicações, fortalecem a comunicação entre esses grupos. Aponta-se a comunicação entre grupos e movimentos sociais como “um instrumento político das classes subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa” (PERUZZO, 2006, p. 4).
As comunidades, muitas vezes, perdem espaço nos pequenos e grandes meios de comunicação. Não é difícil notar que as principais demandas dessas localidades não são atendidas, principalmente no que diz respeito à prestação de serviço e direito do cidadão. Hoje, os jovens engajados nas lutas sociais deixaram de ser a parte excluída da população para dar lugar à mobilização. Os grupos aqui elencados desenvolvem uma comunicação com o fim de atingir os objetivos da comunidade, ou seja, eles pretendem inserir os sujeitos no contexto social, esclarecer sobre seu papel na sociedade e promover uma maior interação com os problemas sociais em busca de soluções coletivas.
Os estudos de comunicação popular, em um primeiro momento com destaque para o movimento operário e sindical, tem ascensão entre os anos de 1970 e 1980, com foco nos grupos populares destacando as lutas por melhores condições de vida, saúde, segurança, sendo assim, voltados para uma comunidade ampla, porém, com objetivos comuns.
“A comunicação popular foi também denominada de alternativa, participativa, horizontal, comunitária e dialógica, dependendo do lugar social e do tipo de prática em questão. Porém, o sentido político é o mesmo, ou seja, o fato de tratar-se de uma forma de expressão de segmentos excluídos da população, mas em processo de mobilização visando atingir seus interesses e suprir necessidades de sobrevivência e de participação política” (PERUZZO, 2006, p. 02). Essa comunicação torna-se o instrumento que vai além da emissão de informação.
Percebe-se pontos a destacar como o papel de desenvolver nos sujeitos populares as perspectivas comunicacionais mais críticas, inserir os sujeitos no contexto social, esclarecer seus papéis enquanto cidadãos e permitir o encontro de soluções para os problemas sociais e limitações comunicacionais. Os exemplos estão presentes nas práticas de associações, sindicatos, grupos, organizações sociais e no âmbito da comunicação comunitária, aquelas que “nascem das bases sociais, das classes subalternas e podem representar uma outra forma de comunicação” (GOMES, 2009, p. 218).
Como parte do campo das Ciências Sociais Aplicadas é, portanto, que a comunicação faz parte de uma rede de compreensões que vai muito além dos limites da visão técnica e busca compreender conflitos humanos e sociais. Deve compreender os modos de vida, as relações entre as pessoas, contextos políticos, ideológicos e tudo que faça parte da vida em sociedade.
O surgimento histórico das associações comunitárias, organizações da sociedade civil, partidos políticos de bases populares, movimentos de contra-cultura, entre outros agentes de reivindicação de direitos dentro de uma ordem social de exclusão, aponta para formas alternativas, àquelas questionadoras, de se comunicar e de captar novos membros para as lutas que passam a ser ampliadas para o reconhecimento.
“O reconhecimento seria uma luta por ampliação de direitos. Ao lutar por sua auto-realização e seu reconhecimento, os indivíduos estão trabalhando sobre e com os conflitos existentes. Os movimentos sociais surgem dessas relações de conflito. Eles são parte de uma luta por reconhecimento” (GOHN, 2010, p. 49). Esse fazer comunicação em sentido coletivo e de forma mais horizontalizada é característica como um ato contra-hegemônico que desafia uma estrutura tradicionalmente utilizada pelos meios de comunicação. Deixa de haver “quem faz” para dar lugar às pessoas que fazem, discutem e analisam, com a preocupação de envolver cada vez mais pessoas por meio das mensagens transmitidas.
Concordando com o referencial teórico que versa sobre a história dos fenômenos comunicacionais alternativos no Brasil, as iniciativas estudadas neste trabalho, mostram a necessidade de discutir noções de cidadania e a apropriação dos modos de fazer comunicação, principalmente em sua vertente social. O conceito de cidadania muda conforme a época existente. Antes, era a luta por direitos políticos e civis, como casamento, moradia, ou voto, mas, desde o início do século XXI, a questão da cidadania é também “ter o direito de participar, com igualdade, na produção, na gestão e na fruição dos bens econômicos e culturais” (PERUZZO, 2004, p. 287).
Analisando o modo como se constituíram as ações pesquisadas, percebe-se que a extensão universitária foi pontapé para o início de um empoderamento por parte dos jovens atuantes nos municípios de Lagoa de São Francisco, Pedro II e Piripiri, na região norte piauiense, que já tinham em seu contexto social a busca por mudanças em suas comunidades.
Há, claramente, uma juventude que ousa produzir, chamar atenção, expressar suas vontades e anseios, pensando de forma coletiva, em busca de um bem-estar comum, lutando para manter direitos historicamente conquistados e exercer sua cidadania. Aqui são apenas alguns exemplos de que, ao longo da história, muitas ações parecidas surgem. Umas sobrevivem e outras não, valendo mais ao contexto o saber fazer, o aprender, o contribuir com o desenvolvimento de si, do outro, da comunidade. Por Daniely Cíntia Viana de Sousa - Jornalista e Relações Públicas graduada pela Uespi.
Ohana Luize Alves Lima - Jornalista e Relações Públicas graduada pela Uespi; pós-graduanda em Docência do Ensino Superior.
Referências
BANDEIRA, Denise Daudt. A relação entre os processos de comunicação e cidadania. Revista Estudos: Goiânia, v.38, n.4, p.571-584, 2011.
DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Revista Política e Sociedade: Florianópolis, v.3, n.5, p.139-164, 2004.
GOHN, Maria da Glória. Novas teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 2008.
GOMES, Ana Luisa Zaniboni. Direitos Humanos na mídia comunitária: a cidadania vivida no nosso dia a dia. São Paulo: Oboré/UNESCO, 2009.
PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 2004.
________. Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular, Alternativa e Comunitária. In: XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Anais... Brasília: Intercom, 2006. Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/116338396152295824641433175392174965949.pdf>. Acesso em: 04. Jul. 2019.
REIMBERG, Cristiane. A comunicação popular como ferramenta para a construção da cidadania. Revista Rumores: São Paulo, v.3, n.5, 2009. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/Rumores/article/view/51162/55232>. Acesso em: 03. Jul. 2019.
UNFPA – FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Direitos da população jovem: um marco para o desenvolvimento. Brasília: 2010.
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