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Juventude e juventudes: percebendo além do senso comum

Foto do escritor: Humanismo CabocloHumanismo Caboclo

O que é juventude? O que a caracteriza como e enquanto juventude e o que a diferencia do mundo adulto? Estes são aspectos sociológicos e antropológicos interessantes e importantes para se abordar e problematizar as juventudes. Primeiramente, identificar os contextos sociais e culturais dos quais elas fazem parte nos permite compreender o que as constituem tal como são e, desta forma, compreendermos suas identidades.

A palavra juventude, usualmente, remete à ideia de cronologia, onde compreende-se juventude apenas como um marco temporal. Assim, jovem é apenas aquele sujeito que se encontra numa determinada idade da vida. Contudo, o conceito de juventude carrega em si um emaranhado de significados que atravessam os conceitos lidos em dicionários, políticas públicas e teorias das ciências humanas. Poderia, portanto, ser concebida como juventudes, no plural, por perpassar a ideia de tempo, de idade, de condição ideológica, etc. e se aprofundar numa teia de significados, necessidades, dilemas, anseios, desafios, etc. Entre uma concepção e outra há uma diferenciação teórico-conceitual que atribui a cada uma noções e informações díspares que constituem seus valores e suas representações intrínsecas a cada termo (ESTEVES; ABRAMOVAY, 2007).

Partindo desse pressuposto, a UNESCO (2004, p. 23 e 25) conceitua-nos a juventude referindo-se “ao período do ciclo da vida em que as pessoas passam da infância à condição de adultos e, durante o qual, se produzem importantes mudanças biológicas, psicológicas, sociais e culturais, que variam segundo as sociedades, as culturas, as etnias, as classes sociais e o gênero [...] e do ponto de vista demográfico, corresponde a uma faixa etária que varia segundo contextos particulares, mas que, geralmente, está localizada entre os 15 e os 24 anos de idade”.

Assim, a UNESCO constrói e explora uma conceituação pragmática de juventude, caracterizando-a, principalmente, a partir do período temporal vivido e as transformações biológicas que ocorrem na puberdade. Esta caracterização de juventude acaba contribuindo para a construção da visão de senso comum de juventude que conhecemos atualmente.

Por sua vez, Luiz Esteves e Miriam Abramovay (2007, p. 21 e 22) discutem que “a realidade social demonstra, no entanto, que não existe somente um tipo de juventude, mas grupos juvenis que constituem um conjunto heterogêneo, com diferentes parcelas de oportunidades, dificuldades, facilidades e poder nas sociedades”. Isto significa que ao observar as juventudes, pode-se perceber que estas diferenciam-se umas das outras, mostrando-se múltiplas e exclusivas, onde cada uma, dentro do seu contexto sociocultural, político e econômico, vivencia experiências de vida diferentes umas das outras, experimentando, reagindo e lidando com estas experiências de maneiras diferentes. Cada juventude possui o seu próprio modo de vida social.

Caio Roberto, 16 anos (Foto: Joaquim Cantanhêde)

Nesta perspectiva, é preciso lançar mão dos contextos sociais e culturais para compreendê-las, isto é, observar o meio social no qual as juventudes estão inseridas para que seja possível compreender seus comportamentos e suas relações sociais. Perceber que as juventudes vão para além da visão geral de temporalidade e que esta não será ponto determinante da constituição das juventudes e do que é ser jovem.

Nesse sentido, a sociologia da juventude, conforme nos indicam Esteves e Abramovay (2007, p. 21 e 22), percebe duas formas de se discutir juventude: “uma que considera a juventude como grupo social homogêneo, composto por indivíduos cuja característica mais importante é estarem vivenciando certa fase da vida, isso é, pertencerem a um dado grupo etário. Nessa linha, a prioridade é conferida à análise daqueles aspectos tidos como mais uniformes e constantes dessa etapa da existência. Outra, de caráter mais difuso, que, em função de reconhecer a existência de múltiplas culturas juvenis, formadas a partir de diferentes interesses e interseções na sociedade (situação socioeconômica, oportunidades, capital cultural etc.), define a juventude para muito além de um bloco único, no qual a idade seria o fator predominante, nessa linha, vem se tornando cada vez mais corriqueiro o emprego de termo juventudes, no plural, no sentido não de se dar conta de todas as especificidades, mas, justamente, apontar a enorme gama de possibilidades presente nessa categoria”.

Isto significa que, conforme discutimos até aqui, a sociologia observa duas formas de se perceber a juventude: na primeira forma, que também reitera a visão do senso comum, define-se juventude a partir do período temporal vivido pelo sujeito, cuja faixa etária é que será o fator determinante de que o indivíduo seja ou não um jovem. A segunda forma, por sua vez, define por juventudes as múltiplas possibilidades e formas do jovem se expressar, suas formações ideológicas e de personalidade, pensamentos, comportamentos, as culturas que partilham e constroem, suas distintas participações na sociedade etc.

Vale salientar, também, que há, ainda, uma terceira forma de se observar as juventudes, segundo a antropóloga Elaine Müller (2005, p. 74 e 75): como “problema para a sociedade adulta” segundo a mídia e o senso comum. Assim, ao observarmos os principais trabalhos no âmbito das ciências sociais sobre juventude, percebemos como estes estudos “estão repletos de delinquent boys”. A autora, então, reflete sobre como se percebe a juventude como transgressora, mas pouco se discute sobre o modelo ideal do qual estas juventudes estão se desviando.

No entanto, a ação de se particionar a vida em etapas ou fases, segundo Elaine Müller (2005, p. 67), “é uma construção cultural relativa no tempo e no espaço”. Assim, há uma forma diferente em cada sociedade de se organizar as etapas da vida e suas passagens de fase (da infância para a idade adulta e desta para a velhice). Desta forma, continua a autora, a “idade vai além da contagem dos anos de vida dos indivíduos, pois à própria contagem já está associado um conjunto de regras, padrões de comportamento e status sociais forjados como os adequados para cada idade” (2005, p. 67).

O que podemos compreender a partir da reflexão de Müller é que o próprio método de definir a juventude a partir do dado temporal já possui em si uma teia de significados socioculturais, o que demonstra que a juventude rompe os limites da contagem de tempo. Ou seja, “além de dividir o curso da vida em diferentes estágios ou fases, são atribuídos a cada uma destas fases uma série de comportamentos e posicionamentos tidos como adequados ou esperados” (MÜLLER, 2005, p. 70).

Isto significa que cada momento da vida (seja ela infância, juventude, fase adulta ou velhice) possui um conjunto de normas que esperamos que o indivíduo siga e que definirá o seu comportamento, sendo ele diferente em cada sociedade e condirá com a sua idade. Mas a questão ainda é mais abrangente, pois, para além de comportamentos esperados socialmente (e estabelecidos pelos meios de comunicação, sistema educacional, religiões, sistemas jurídicos, etc.), há também as expressões próprias de grupos juvenis específicos (grupos de periferia, juventudes do skate, punk, rock, juventude do campo, etc.).

Complementando, Vânia Reis (2008, p. 63), parafraseando José Machado Pais (2003; 2005), nos ajuda a diferenciar juventude de juventudes e, ao mesmo tempo, compreendê-las: “‘Juventude’, no singular, não pretende uniformizar a heterogeneidade, mas referir-se a uma fase da vida, que se manifesta, se realiza, conforme a trajetória de vida que cada um vai conseguindo construir, a qual, embora seja individual, por estar imbricada em processos coletivamente vivenciados, assume também a condição de trajetória coletiva. ‘Juventudes’, no plural, diz respeito à multiplicidade de expressões dos jovens, nos diferentes contextos sociais em que estão inseridos”.

Assim, Vânia Reis constrói uma compreensão de como as juventudes se organizam e se desenvolvem a partir de suas variações e contextos sociais vividos. A autora nos sensibiliza a não limitarmos a compreensão sobre as juventudes, tão diversificadas, a uma mera fase temporal da vida, e a percebermos suas formas múltiplas de se expressarem e de vivenciarem os espaços sociais aos quais fazem parte. Maria Souza (2005, p. 92), em consonância com Vânia Reis, afirma que a “palavra ‘juventude’ não pode ser interpretada somente como um fenômeno demográfico a ser modelado numa ‘classe de idade’, com um status e uma personalidade homogênea e universal, compondo uma ‘fase’ distinta de ‘preparação’, ‘espera’ ou ‘moratória’ para o exercício maduro da vida ‘adulta’ responsável, séria, cidadã, produtiva e reprodutiva (isto seria, basicamente, uma extensão a adolescência)”.

Portanto, a palavra juventude não deveria, assim, homogeneizar tantas particularidades culturais e de expressões das juventudes numa fração de tempo, uma vez que podemos perceber inúmeros sujeitos vivenciando diversas experiências e realidades de maneiras diferentes a partir de comportamentos e realidades socioculturais também diferentes. Tampouco deveria ser uma fase da vida vista apenas como período de teste para a fase adulta, reduzindo as práticas socioculturais das juventudes a um momento da vida que apenas precede a idade adulta. Esta fase juvenil é compreendida como moratória social “ao pensar que os jovens atravessam um período de ‘quarentena’ até a entrada em um mundo de obrigações e deveres” (MÜLLER, 2005, p. 76).

Há, ainda, complicações em compreender as juventudes a partir do recorte temporal, pois como observa José Machado Pais (1993, apud MÜLLER, 2005, p. 71) “a abordagem dada à juventude pode defini-la como um conjunto homogêneo, quando a compara a outras gerações”, pois a classificação etária simplifica as juventudes num único grupo identificado apenas pela sua idade, desconsiderando todas as suas realidades, suas manifestações identitárias e socioculturais: “existem muitos e diversos grupos juvenis, com características particulares e específicas, que sofrem influências multiculturais e que, de certa forma, são globalizados. Portanto, não há uma cultura juvenil unitária, um bloco monolítico, homogêneo, senão culturas juvenis, com pontos convergentes e divergentes, contraditórias entre si [...] Logo, a definição da categoria juventude em hipótese alguma pode ser a mesma para todos aqueles que nela estão enquadrados” (ESTEVES e ABRAMOVAY, 2007, p. 25).

É pertinente observar que quando os autores afirmam que “não há uma cultura juvenil unitária”, isto significa que em lugar algum identificaremos grupos juvenis que sejam iguais, tampouco agindo e se organizando da mesma forma, vivenciando situações do seu dia-a-dia de formas iguais a quaisquer outras juventudes. Assim sendo, percebe-se que mesmo dentro de uma mesma cidade ou um mesmo bairro, haverá grupos juvenis que vivenciam suas experiências e seus espaços sociais de formas diferentes. Nunca um grupo será igual a qualquer outro.

Esta multiplicidade de expressões das juventudes também ajuda a perceber os espaços, grupos e lugares ocupados por elas na intenção de evidenciar como sujeitos participativos e com suas identidades bem definidas: a escola (PAPPÁMIKAIL, 2010), mercado de trabalho (MATOS, 2006), os grupos headbangers (ADAD; BRANDÃO, 2006), a produção de fanzines como prática subversiva (GALVÃO, 2006), o espaço escolar da educação no campo (DAMASCENO, 2006), os jovens assentados (SALES, 2006), grupos juvenis de HIP-HOP (LUZ, 2006) e diversos outros. Assim, quando abordamos as juventudes “como um conjunto social com atributos sociais que os diferenciam uns dos outros” (PAIS, 1993, apud MÜLLER, 2005, p. 71), as definimos como um grupo heterogêneo, múltiplo e diverso.

Por Luciano de Melo Sousa

Professor de Sociologia da Universidade Estadual do Piauí e coordenador do Humanismo Caboclo


Marcos Rangel de Sousa Costa

Graduando em Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Piauí)

 

Bibliografia:

ADAD, Shara Jane Holanda Costa; BRANDÃO, Ernani José Jr. “Sociopoetizando a juventude: conceitos filosóficos produzidos por headbangers em Teresina-PI”. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006.

DAMASCENO, Maria Nobre. “Reflexões da educação no campo e de uma pedagogia para a educação do jovem rural”. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006.

ESTEVES, Luiz Carlos Gil; ABRAMOVAY, Miriam. “Juventude, Juventudes: pelos outros e por elas mesmas”. In: ABRAMOVAY, Miriam; ANDRADE, Eliane Ribeiro; ESTEVES, Luiz Carlos (Org.). Juventudes: outros olhares sobre a diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; Unesco 2007.

GALVÃO, Demetrios Gomes. “Juventude e Fanzine: a cartografia de uma prática subversiva”. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006.

LUZ, Lila Cristina Xavier. “Grupos juvenis em Teresina e a organização do hip-hop”. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006.

MATOS, Kelma Socorro Lopes de. “Juventude, trabalho e consumo: o que é presente e futuro?” In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006;

PAPPÁMIKAIL, Lia. Juventude(s), autonomia e Sociologia: questionando conceitos a partir do debate acerca das transições para a vida adulta. Sociologia: Revista do Departamento de Sociologia da FLUP, Vol. XX, 2010.

REIS, Vânia. “Juventude e Juventudes”. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006.

SALES, Celecina de Maria Veras. “Jovens nômades, jovens da terra”. In: MATOS, Kelma Socorro Lopes de; ADAD, Shara Jane Holanda; FERREIRA, Maria Dalva Macedo (Org.). Jovens e crianças: outras imagens. Fortaleza: Edições UFC, 2006.

UNESCO. Políticas públicas de/para/com as juventudes. Brasília: Unesco, 2004.

 

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