A automutilação é um tipo de desregularização emocional que tem como resultado o próprio sofrimento físico causado na maioria dos casos por objetos cortantes que deixam cicatrizes para a vida toda. Mas, assim como as dores da alma tem cura, as dores físicas também têm. Com o objetivo de amenizar essas cicatrizes da automutilação, o tatuador Thássio Leal faz tatuagem de graça para aqueles que algum dia tornaram as dores emocionais em dores físicas.
O tatuador, de 27 anos, começou o projeto a três anos atrás, comovido pela tristeza de uma amiga que todo mês de setembro sentia a falta de uma colega que tirou a própria vida. Mediante exemplos de outros tatuadores, como o tatuador Thiago Saraiva, que realiza tatuagem em mulheres que já tiveram câncer de mama.
Thássio não perdeu tempo e começou a campanha nas suas redes sociais. Em poucos dias ganhou muitos apoiadores e deu um novo sentido para as cicatrizes de cerca de quarenta pessoas nos três anos do projeto.
Umas das participantes da campanha é Jacyana Rodrigues, de 22 anos. Passou por uma fase difícil durante quatro anos: sentimentos de solidão, abandono, acompanhado de outros fatores fizeram com que a jovem se automutilasse.
“Foi uma parte muito triste da minha vida, só que eu tive acompanhamento de psicólogo, psiquiatra, fazia uso de medicação. Então tive apoio tanto profissional quanto familiar e amigos que me fizeram bem”, disse a garota.
Depois da fase mais difícil da sua vida, Jacyana conheceu o projeto de Thássio nas redes sociais e resolveu dá um novo sentido ás marcas que causavam vergonha.
“A tatuagem que escolhi é um coração e tem umas flores. No começo não tinha um significado específico, depois vi ela como uma forma de cobrir o meu passado e procurar seguir um novo caminho uma nova vida, uma nova oportunidade de fazer as coisas diferentes sem prejudicar a mim e meu corpo”. A jovem ainda acrescenta a importância do projeto:
“Vejo o projeto como uma coisa muito boa, porque, primeiro, tatuagem não é barata: é algo caro. Os materiais são caros e você ter uma pessoa que se disponibilizar a fazer um tatuagem bonita e de graça! simplesmente para ajudar a você cobrir marcas feias (que geralmente as pessoas costumam perguntar) e agora você pode falar sobre a tatuagem. Para mim é um projeto muito importante” disse Jacyana.
A jovem atualmente mora em Londres, na Inglaterra, fala sobre as políticas públicas brasileiras na prevenção do suicídio:
“Falta muito. Você não vê falar de propagandas na tv, e sim muita movimentação no setembro amarelo nas redes sociais, mas nada passando em tv, rádio, em horário aberto, e é isso que falta. As pessoas têm medo de falar, porque acham que falar vão incentivar. Pelo contrário: é falando que você vai abrir espaços para pessoas que passam pela a situação. Acho que falta isso: como muitas propaganda de preservação a DST´S, deveria ter as mesmas campanhas para prevenção do suicídio”, finaliza a jovem.
Entre as várias pessoas tatuadas no projeto, o tatuador menciona uns dos casos mais marcantes: um rapaz que tomou medicamento capaz de matar um equino e teve o braço danificado onde foi preciso retirar parte da pele do braço.
As tatuagens, mais que arte, têm o significado de renovar a vida, conta Thássio Leal:
“O papel da arte nesta situação é dar uma nova cara para a vida da pessoa, virar a página do passado dela, de uma forma que eles sintam menos vergonha do braço e sintam mais vontade de viver. Muitas pessoas não têm mais depressão, mas sim muita vergonha por causa da sociedade [julgamento social], é forma de virar uma página da vida”, disse o tatuador.
O Tatuador esclarece que a campanha é uma forma de ajudar outras pessoas e não uma maneira de ganhar tatuagem de graça. “É uma forma de ajudar as pessoas com o que está acontecendo, espero a sensibilidade das pessoas para ajudar da forma que for”, acrescenta Thássio.
Conheça mais sobre a automutilação em uma entrevista realizada com o psicólogo Carlos Henrique de Aragão Neto.
Psicoterapeuta, suicidólogo, formação em Estudo do Luto, especialista em Tanatologia, Mestre em Antropologia (UFPI) com o tema “Os aspectos socionatrapológicos que contribuem para tentativa do suicídio”, Doutor em Psicologia Clínica e Cultura ( UnB), com o tema “A relação entre Automutilação e comportamento suicida”.
Repórter- Dr. Carlos Aragão, o que é automutilação?
Psicólogo- Bom, automutilação é um comportamento no qual uma pessoa causa dano em parte do próprio corpo, sem intenção de morte, sem propósitos validados socialmente. Quero registrar que o termo automutilação não é mais usado internacionalmente, em função de vários fatores. Um deles por gera estigmar para as pessoas que fazem o episódio de autolesão. Quando eu falo, por exemplo, que uma pessoa se automutilou, possivelmente as pessoas vão achar que ela arrancou uma parte do corpo, que causou um dano irreversível. Depois de pesquisas, hoje a termologia usada internacionalmente é autolesão sem intenção suicida. Uma tentativa suicida é quando a pessoa corta o próprio pulso e com a intenção de tirar a própria vida. Dentro do conceito de autolesão não há intenção suicida: são danos causados principalmente por cortes, mas que não tem intenção de morte.
Repórter- O que leva a pessoa a praticar a autolesão?
Psicólogo- Os motivos alegados por cerca de 70% dos casos, tanto no Brasil quanto internacionalmente, das pessoas que se lesionam principalmente com cortes alegam o alivio de uma angústia, um dor emocional tão intensa a qual não conseguem lidar que causa dando no corpo. Concretizar essa dor que é mais fácil de lhe dá com a dor emocional. A ideia é de transferir uma dor emocional para uma dor mais concreta, uma dor física.
Repórter –Qual idade mais acontece casos de autolesão?
Psicólogo - A faixa etária, tanto no Brasil quanto outros países, com maior prevalência na pré-adolescência até o adulto jovem. Isso que dizer entre 12 a 24 anos. Isso não quer dizer que não aconteça em crianças e adultos e também em idosos, mas com prevalência bem menor.
Repórter- A automutilação é começo da depressão ?
Psicólogo - Não podemos, nem devemos associar qualquer comportamento a um único fator. Tanto comportamento suicida quanto o comportamento autolesivo são comportamentos extremamente complexos e multideterminados. Significa dizer que não tem uma única causa: são fatores de ordem psiquiátrica, psicológica, cultural, social, econômica. Depressão, transtornos de ansiedade e transtorno de borderline são transtornos mais associados ao comportamento autolesivo. Não podemos determinar que uma pessoa que tem depressão obrigatoriamente vai se lesionar, isso é equivocado.
Repórter - O Fenômeno Baleia Azul, porque tantas pessoas aderiram ao desafio?
Psicólogo – Os jogos que surgem na internet atingem um público vulnerável, principalmente crianças e adolescentes. Muitos dos nossos jovens fazem o uso excessivo e indevido de tecnologias, sem controle e avaliação por parte dos pais. Então muitos dos nossos jovens são meninas e meninos que não desenvolveram minimamente competências sociais, emocionais para lidar com as dificuldades que se apresentam na vida, inclusive nas redes sociais. Uma falta de interação entre pais e filhos pode contribuir.
Repórter- Qual o papel dos pais na identificação de transtornos psicológicos?
Psicólogo- É preciso que os pais observem o corpo do filho durante o cotidiano. Em uma dessas situações podem detectar coisas estranhas, mas também há sinais para ficarem atentos como, por exemplo, rendimento escolar sem motivos aparentes, crianças ou adolescente que começam a entristecerem-se, mudanças bruscas de comportamentos, isolamento social, perdem o prazer em atividades que faziam normalmente, frases em redes sociais, são sinais de que alguém não está bem. Esta é a hora que precisamos observar com mais cuidado ainda.
Repórter – Como você vê as políticas públicas brasileiras na prevenção do suicídio?
Psicólogo - O Brasil ainda tem carência tanto na rede privado e pública de saúde, carente de profissionais qualificados para lidar com demandas específicas. De qualquer forma, demos um passo importante em nível de Brasil, porque agora, no primeiro semestre deste ano, foi sancionada a lei de suicídio e de automutilação, que obriga as escolas a notificarem casos de comportamento autossuicida: é um marco importante. Por Joelma Abreu
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