Crianças marcam na sua agenda semanal encontro na biblioteca Leituras e Descobertas do Mundo, na praça do bairro Santa Sofia, zona norte de Teresina. Não necessariamente para ler. Uns leem, outros conversam, outros pedalam suas bicicletas... Um ponto de encontro para crianças experimentarem toda a infinitude de seus viveres... No final de tudo, não esquecem de seus livros para lerem em casa. Assim anda nossa biblioteca... cada dia recriando seus modos de ser um espaço para vidas integrais.

Não temos somente uma biblioteca. Temos uma biblioteca e uma praça. Sobre esses espaços circulam muitas expectativas como também estereótipos. Sobre uma biblioteca: “ler em silêncio”, “ler e ser mais”, “ler para escrever melhor”, “ler porque necessito...”, “biblioteca é para estudar” etc. Sobre uma praça: “é perigosa”, “espaço para brincar”, “lugar de muitas vivências”, “não é possível ler numa praça” etc. Nossa biblioteca não se coloca como uma torre de marfim. Pelo contrário, queremos experimentar com essas crianças leitoras vivências luminosas, criativas e transformadoras.

Que manhã encantadora na Praça dos Orixás, na zona norte de Teresina! Primeiro, Ana Gabriele. Depois, Maria Luiza. Em seguida, os irmãos Kauan e Isabela. As três Marias (não consigo recordar os seus segundos nomes). A menina do vestido (estou ficando velho e a memória também). Henrique e seus primos e irmãos. Por fim, a irmã de Maria Luiza (esta uma adolescente de 15 anos).
Ah, se pudéssemos ter bolsas para educadores juvenis de leitura!!!
Em cada bairro um(a) adolescente educador(a) com a responsabilidade de colaborar durante o nosso encontro, mas, principalmente, acompanhar as crianças leitoras durante a semana: emprestar um livro, ler para as crianças menores, dialogar sobre as coisas da vida...

Além de fomentar o desenvolvimento humano das crianças leitoras, quantas vivências intensamente humanas essa(e)s educador(a)s podem experimentar!!! Além de colaborar com a qualidade de vida dessa(e)s adolescentes e estimular a permanência na escola. Mais: pensar-se como cidadã(o). E mais ainda: explorar as potencialidades e contradições de ser um(a) cidadã(o) do mundo.

Amigos perguntam sobre nossas expectativas futuras e por que não se ampliam as atividades. Um dia teremos condições de formar educadores leitores e garantir condições dignas para suas ações educativas. Um acervo maior de livros. Acompanhar as crianças em suas respectivas escolas. Conhecer as mães e pais dessas crianças leitoras... Mas, por enquanto, vivemos o presente com nossas visitas semanais às praças com acolhimento e orientações para ler e descobrir mundos.

Na tarde de sábado, com a turma “Amigos do Livro e Outras Nuvens”, reinventamos nossa roda de conversa. Primeiramente, conversamos sobre o sorriso e sua importância. Em seguida, dialogamos sobre os risos de adultos e crianças: há diferenças? Depois, brincamos de explorar vários risos: de criança, de adulto, de “bode”, com relincho, de “ovelha”... Como rimos e nos divertimos! E nossos recursos: palavras e imaginação.
No segundo momento da roda de conversa, passamos a ouvir os relatos sobre os livros lidos pelas crianças durante a semana. Passamos pela lenda do boitatá, “uma história de Deus” e um conto sobre um menino que não possuía amigos e sempre brincava com jogos eletrônicos. Toda a roda de crianças passou a brincar de teatro. Um teatro coro* onde todos representavam, ao seu modo, algumas ações das narrativas: os bichos da floresta sem olhos por ação do boitatá; o menino triste que perdeu o avô durante a pandemia do covid; o pai que chamava seu filho para alimentar-se; o protesto dos bichos da mata... História, teatro, fantasia, troca...
Tudo em meio a uma praça e sob sombras de árvores. Uma praça viva, cenário de muitos encontros e trocas. Livros, cadeiras, mesas, papel, lápis. E muitas crianças e jovens educadores repletos de ardores de viver. Somos tanto e, muitas vezes, contentamo-nos com tão pouco. Ocupar uma praça instiga-nos a superar as barreiras do comodismo e descobrir outros mundos.
Na tarde de domingo, a chuva reinou absoluta na praça do Postinho, no bairro Tabuleta. Gratidão aos céus!
* A Associação de Teatro Circo Negro, nos anos 2000, na cidade de Teresina (Piauí), explorava o que denominou como “teatro coro”: ações dramáticas protagonizadas por coletivos de atores. Em vez da interpretação centrada nas individualidades de cada ator, expressava-se por meio de grupos de atores.
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