E se lhe pedissem que deixasse tudo para trás agora, nesse exato momento? Comodidade, casa, família, amigos, estudos, emprego. Qual motivo seria forte o suficiente para lhe fazer tomar essa decisão? Como o título bem sugere, nesta reportagem contaremos a história de dois jovens que decidiram deixar de lado todas estas coisas por um propósito maior: segundo eles, seguir a vocação religiosa. Apesar de diferentes, as histórias de Natália Lira, de 23 anos, e Samuel Matos, de 19 anos, assemelham-se no anseio por servir.
Natália Lira é natural de Recife-Pernambuco. Aos 23 anos, ela está residindo em Teresina, capital do Piauí, desde o início do ano de 2019, onde é missionária: trabalha no centro de evangelização da Comunidade Católica Shalom, localizada na zona Leste da Cidade. Por outro lado, Samuel Matos, de 19 anos, é natural de Água Branca, cidade que fica acerca de 108 Km da capital. Há três anos é aluno no Seminário de Filosofia Dom Edilberto Dinkelborg, localizado na zona Sul de Teresina.

Fomos ao centro de evangelização conversar com Natália. Enquanto nos levava até a sala onde a entrevista seria realizada, percebemos a presença de vários outros jovens. Uns em sala de oração, outros limpando e outros indo embora. Natália nos contou que, ao todo, há 43 missionários e duas crianças (filhos de missionários) que pertencem a Shalom. Eles vivem integralmente para servir a comunidade. São de diferentes lugares do Brasil e atuam em diversas áreas. Natália, por exemplo, cuida da parte de projetos e liderança de jovens.
Ao relembrar o início da sua trajetória, que teve o impulsionamento há três anos atrás, Natália mexe com as mãos e ri ao recordar de como tudo começou. “Eu não gostava de igreja e nem de nada relacionado à religião. Na época, eu estava no segundo ano de música, na Universidade Federal de Pernambuco. Em uma noite eu tive um sonho que mexeu muito comigo e nele aparecia um amigo meu. No outro dia eu contei para ele. No sonho eu via um altar e vários jovens ao redor dele. Esse amigo meu me convidou para conhecer a comunidade Shalom. Fui uma vez, depois fui em acampamentos e teve um que mudou a minha vida. Tive uma experiência com Deus, descobri o amor dele e tudo que eu queria era amá-lo de volta”, narra ela.
Segundo Natália, depois desse encontro ela se sentiu chamada para uma vida missionária. “Em 2016, ingressei no vocacional da Shalom. Fui para Fortaleza. Após um tempo, me enviaram para Eusébio (Ceará) e, de lá, fui enviada para Teresina. Essa mudança foi essencial, sabe? Eu sentia que se continuasse lá, vivendo do mesmo jeito, eu não estaria me entregando por inteiro. Vivendo completamente para e com Deus. Por isso que larguei a faculdade, deixei a família e os amigos lá, para que eu pudesse servir completamente”, afirmou a missionária.
Questionada sobre ter que abdicar de tudo e as dificuldades dessas mudanças, Natália reafirma que Deus nunca lhe deixou faltar nada e que o “eu” é a maior dificuldade. “No começo minha família não aceitou muito bem. Mas hoje, meu laço com minha família é muito mais forte. Antes, eu tinha dificuldade em me expressar: em dizer que amo minha mãe, por exemplo. Mas agora eu e ela conseguimos nos comunicar melhor. Sabe? O caminho de Jesus era um caminho de cruz, mas isso o levou à ressurreição. Há dificuldades, há problemas. Contudo, minha maior luta é lidar comigo mesma. É uma luta de cada vez a ser vencida a cada dia”, disse.
Como Natália, Samuel Matos nos recebeu nas dependências do Seminário de Filosofia, um local tranquilo onde moram os seminaristas. Com exceção de uma jovem senhora que estava ajudando na limpeza, só há homens no local. Tranquilo, o jovem escolheu uma área verde e silenciosa para que a entrevista fosse realizada. No ambiente, várias peças com madeira, criadas pelos próprios moradores.
Muito calmo, Samuel começa contando que só ia para igreja na época de festas e que nunca havia pensado em seguir a carreira ministerial. “Fui convidado para ser coroinha da igreja. Com isso, passei a conviver com alguns padres e isso foi me instigando e surgiu um desejo de quem sabe vir para o seminário. Mas, tudo baseado no ‘quem sabe’. Eu tinha medo, só imaginava que seria muito difícil. Após muitas orientações, cheguei para o meu padre e contei o que estava sentindo”, relembra o jovem.
De acordo com Samuel, após participar de alguns retiros e convivências vocacionais, ele foi entendendo mais o que estava vivendo. “Quando recebi a carta de aceite para o Seminário e fui conversar com minha família, a reação deles foi de negação total. Eu já tinha dito antes que queria, mas não acreditavam. Porém, pouco a pouco, eles foram aceitando de vez. A vocação é um processo, é uma busca contínua onde você deve se lançar na graça de Deus a fim de descobrir o que ele deseja para você”, conta.

Quando questionado sobre as dificuldades resultantes da sua decisão, o seminarista afirma que a distância da família e o conforto que isso proporciona, em algumas vezes, é uma grande barreira. “Nós vivemos integralmente aqui no seminário e em um mês tiramos férias. E claro, também podemos usar o celular e falar por meio de ligações, mas não é todo momento, pois temos obrigações a cumprir. Por vezes acabamos nos preocupando com a família e isso meche com a gente. Contudo, essa é a minha escolha: a de servir a comunidade em amor, ou melhor, com amor de Cristo”, frisa Samuel.
O celibato
Dentre os vários pontos citados acima, uma das decisões tomadas pelos jovens é a prática do Celibato. Etimologicamente, celibato tem origem do latim, da palavra caelibatus ou coelibatus: pode ser traduzida como "estado de solteiro". Mas, vai muito além da não-prática sexual: significa não ter relações amorosas no sentido “Eros” (nada de beijos e abraços com segundas intenções) e sim “Ágape”, que é um sentimento incondicional.
Em conversa com os jovens, eles nos explicaram que há um celibato formativo (por tempo determinado) e o definitivo. No caso de Natália Lira, desde que ingressa na vocação até a realização das promessas (etapa de consagração que precede os votos), ela vive o celibato formativo.
“O objetivo é focar em Deus e na vontade dEle, não nos relacionamentos amorosos que podem vir a ser uma distração. O celibatário vive de forma inteira e integralmente para Deus e a servir a igreja. Contudo, não é algo que você apenas escolhe ser. Se Deus te criou para o matrimônio, é isso que você deve viver”, enfatizou Natália.
Samuel Matos complementa dizendo que, por vezes, pensou em constituir família, porém descobriu que, para sua vida, há algo maior. “Se pararmos para pensar, não é uma decisão fácil abrir mão disso. Mas, quando você entende o amor de Deus e o que ele te criou pra ser não é difícil dizer não. Nós, aqui do Seminário, sabemos que não podemos casar e isto não quer dizer que não vamos ter filhos. Vamos sim, não de sangue, mas espirituais e no fim, compensa nos entregarmos por inteiro”, finaliza. Por Geici Mello
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